Superman, Slackers, Transsexuais. Charles Watson & Correlatos
Há bastante a ser dito. Não que sejam assuntos importantes, mas é que eu tenho sido extremamente verborrágico. Há alguns posts pendentes, alguns já escritos pendurados em arquivos por aí e outros ainda orbitando a mente. Esse do SUperman tava escrito há duas semanas, perdido aqui no HD.
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Superman. Achei um ótimo filme. Um clássico “bem contra o mal” numa época cheia de meias verdades e anti-heróis. Lex Luthor matando a pau, fazendo até posezinha clássica de vilão e é isso que eu acho que o Brian Singer saca bem, é o que funcionou bem no X-Men dele também: quadrinhos não é vida real, as pessoas andam e fazem poses de um jeito que não fazem na vida real e isso é importante de ser mantido. É o que dá a graça na coisa toda. Uma vez vi uma entrevista do Gil Kane, um cara que desenhou o Homem Aranha uma época, tipo anos 60, e ele falava que um soco numa historia em quadrinhos nunca vai ser um soco da vida real... porque o que o desenho do soco tem que passar é a sensação de um soco e não um retrato fidedigno... e ele disse que ele usava a memória dele de um soco que tinha levado pra desenhar o soco, colocava todas aquelas linhas de velocidade e aquela dramaticidade porque na real é assim que um soco é sentido. Portanto há de se ter uma certa dose de exagero e estilização nessas narrativas míticas, senão a coisa toda perde a graça.
Mas o que eu queria falar é que achei um filme muito muito simbólico... tipo um filme que fala muito sobre o que a gente tem dentro da gente... todo aquele papo de mito do herói, Joseph Cambell e Jung e tal... o filme me bateu talvez meio que às avessas... em vez de ver o Superman como um salvador, aquela idéia de salvador que todo mundo tem dentro de si, não propriamente uma idéia religiosa, mas aquela sensação que brota toda vez que algo dá errado... deixa eu explicar melhor... sabe quando um sequência de coisas dá errado na sua semana e vc começa a pensar como seria bom se pudesse fazer isso ou aquilo ou se alguém fizesse isso ou aquilo e mexesse os pauzinhos do destino e as coisas se ajeitassem... eu acho que isso é uma espécie de Superman interior que todo mundo tem dentro de si... o Jung explica assim em “O Homem e Seus Símbolos”: “Ovimos repetidamente a mesma história do herói de nascimento humilde mas milagroso, provas de sua força sobre-humana precoce, sua ascensão ao poder e à notoriedade, sua luta triunfante contra as forças do mal, sua falibilidade ante a tentação do orgulho e seu declínio por motivo de traição ou por um ato de sacrifício heróico onde sempre morre. (...) Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduo na fase de maturidade da sua vida, o mito do herói perde sua relevância. A morte simbólica do herói assinala, assim por dizer, a conquista daquela maturidade.”
Mas estou pegando um viés mais cotidiano e o filme é meio terapêutico nesse aspecto porque mostra os PERRENGUES que o Superman passa... na real, ele pode até salvar o planeta e tudo mais, mas eu acho que isso é absolutamente secundário face um outro aspecto: o Superman passa O TEMPO TODO ENCRENCADO, é confusão atrás de confusão, problema atrás de problema, só stress, e não apenas stress menores tipo salvar acidentes de aviões ou ameaças nucleares, tem coisa pesada como amor não-correspondido e amores antigo voltando à tona. Resumindo, é uma vida de atucanacao, uma vida absolutamente humana. O recado (totalmente loucura minha) que eu vi ali foi esse... não importa, meu filho, o quanto vc reúna de poderes e recursos... basicamente a vida vai ter sempre uma encrenca atrás da outra... no Homem Aranha isso é claríssimo, a vida do Peter Parker é um inferno absoluto, ele só se fode o tempo todo no trabalho, com as mulheres e ainda toma surra o tempo todo... pra que serve subir na parede e atirar teia se na ponta do lápis seu dia a dia é um stress... no fun, my babe, no fun...
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Mas não é só...
Por esses tempos fui ver Transamérica, filmezito sobre um transsexual que, uma semana antes de fazer sua tão sonhada operação de troca de sexo, descobre que tem um filho. O filme é com a mina do Desperate Housewives, mas não sei dizer quem é. Só sei que eu fiquei pensando o filme todo que era um homem atuando e não uma mina. Impressionante.
Bom, o facto é que até a metade eu estava achando o filme bem normalzito, mesmo com o lance da operação de sexo e tal. Road movie: o candidato a transsex vai de L.A. a NY buscar o filho recém descoberto, não se revela como pai e uma clássica odisséia moderna - leia-se road movie - se desenrola com os obstáculos tradicionais que servem para despertar habilidades emocionais nos protagonistas, aproximando-os. O clássico desfile de personagens figuraças também rola. Pois então, como eu disse, até aí tudo bem, um filme como muitos outros. Mas lá pelas tantas, o candidato a transsex chega à cidade de seus pais com seu filho e é aí que a coisa pega. Pois veja bem... vamos ser sinceros, essas questões envolvendo operação de troca de sexo são todas muito... como direi... bom, meus preconceitos vieram todos à tona e em vários momentos não dá pra deixar de pensar em como aquilo é esquisito e tal. Acontece que, como eu disse, quando o filme chega na casa dos pais do cara/mulher, começa um jogo INTERESSANTÍSSIMO de definições/questionamentos de papéis... um lance riquíssimo, uma dança das cadeiras envolvendo questões como paternidade,responsabilidade, estrutura familiar formal vs. estrutura emocional, apoio, solidariedade... enfim, a coisa acontece com tamanhos níveis de ambiguidade e de mobilidade que a questão da operação de troca de sexo é apenas mais um gancho para assuntos muito mais universais, que independentem desse recursinho. Ou seja, é o que temos em comum com o candidato a troca de sexo que é enfatizado. Sacanagem da grossa, pq quando você vê está completamente desarmado. Levemente perturbador. Muito bonito. Assaz humano.
A cena final, com o garoto e o pai tomando uma cerveja juntos enquanto se preparam para juntar os cacos da relação numa base sem qualquer possibilidade de julgamento de ambas as partes é algo...
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Um dos posts que mais geraram comentários e emails nesse blog foi o que eu fiz compilando as impressões a respeito do curso sobre processo criativo com o Charles Watson.
Pois bem, nos últimos 4 dias tivemos lá na agência o segundo módulo do curso, que trata mais especificamente sobre as técnicas do lance. Mais uma vez muito interesante. Preenchi algumas páginas com impressões esparsas e erráticas. Nos próximos dias devo soltar algo aqui.
Mas já adianto que me bateu muito o trabalho de um escultor inglês chamado Antony Gormley. Fiquei pasmo com uma obra chamada Three Toughts, na hora me deu um estalo no cérebro. E também com um vídeo onde ele questiona o fato de acharem que a consciência está localizada no cérebro, dúvida que eu só havia visto ser levantada por autores budistas. Bom, depois descobri que o Gormley é budista. Hmm... voltarei a esse assunto em breve também...
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Esse post noturno foi escrito ao som de The Slackers, pérola regueira fornecida pelo Patrick...