Mash-up e a inutilidade da tentativa humana de controle

Pra quem é muito ligado em música, esse lance de cultura do mash-up misturar uma música com outra, um disco com outro, um software com outro) não é lá muito novo. Já faz alguns anos que começaram a circular aquelas coisas tipo Stroke of Genius (strokes + aguillera) e stuff. De subcultura, como tudo, o mash-up rapidamente virou mainstream marcando presença nas paradas da Jovem Pan e dando o tom do som de bandas pop como o Gorillaz.

O que pouco se fala é o quanto isso está ligado a outros pequenos fenômenos do dia-a-dia que aos poucos vão virando tipocapa de revista semanal palha.

Dê uma olhada no seu celular. Ok, celular em si já é um espanto: uma pequena unidade de comunicação autônoma que você leva onde for (há bem pouco tempo era coisa de sci-fi), mas mais incrível ainda é tudo que você pode fazer no celular. Não estou falando de baixar música pra ele ou mandar SMS, estou falando de poder mudar a capinha, colocar um papel de parede, escolher os toques para cada amigo seu que liga, essas pequenas coisas às quais não se tinha acesso há algum tempo.

Monte sua sobremesa no buffet de sorvete. Monte seu carro na internet. Monte sua sessão de cinema com entrevistas ou making-offs. Escolha exatamente o tom de tinta que você quer na loja de material de construção. Queime um CD com as músicas na ordem que você quer, com a mistura que vier à cabeça. Marque o horário certo da instalação da TV a cabo (só válido depois de brigar com a atendente). Etc e tal.

De certa forma, a humanidade está sendo lentamente mimada & mal acostumada a poder customizar o que quer que seja. Essa "brincadeirinha" de YouTube é nada mais nada menos do que uma prévia do que vamos ter na televisão: assistir o que eu quiser, na hora que eu quiser. Esse lance de ficar parado na frente da TV zapeando até encontrar algo que preste ou - pior - esperar o horário daquele programa

As empresas estão se estapenado, estabanadas tentando oferecer o máximo de possibilidades pra seus clientes. Algumas são mais rápidas e espertas do que as outras, outras ainda brigam com a realidade. Todas enfrentam a dura realidade de que não somos os Estados Unidos: não há dinheiro disponível para investir em todas as inovações e, mais complexo ainda, não há público o suficiente com acesso à tecnologia para que essas dinâmcias se estabeleçam. Mas tecnologia barateia... é uma questão de tempo. Acho que escrevi aqui outro dia: não faz muito os celulares com câmera custavam mais de mil reais e agora você compra um em dez vezes de 15.

O blablablá do marketing e da publicidade no momento é conteúdo construído pelo consumidor. Só se falou disso em Cannes. Dar o poder para que as pessoas criem e divulguem as mensagens do jeito como mais lhe aprazem, seja criando comerciais a partir de cenas disponíveis da internet, seja passando adiante um vídeo do Ronaldo Gaúcho colocando a bola no travessão, seja levando erguendo cartazes na rua mostrando seus motivos para escolher determinada companhia aérea. Não era bem isso o que o Lennon queria dizer com power to the people, mas vá lá...

Não faz muito também, crediário era assunto decidido pela loja ou pela instituição financeira. No entanto hoje já tem uma oferta bem mais vasta de formas de pagamento, inclusive oferecendo a oportunidade do cliente montar sua proposta: o mash-up do crediário.

Eu sempre achei que o brasileiro tem uma mentalidade mash-up natural. Com menos recursos que o primeiro mundo, somos obrigados a lidar com o que quer que surja e assim montar nosso estilo de vida em misturas muitas vezes inusitadas. Esses dias eu tava almoçando na casa da minha mãe e vi a quantidade diferente de comidas que tinha na mesa... massa, arroz, feijão, galinha, polenta, tucupi... traços de cozinha brasileira, alemã, italiana e amazonense na mesma mesa. Fruto de uma imigração combinada, da pororoca das culturas, mash-up em nível doméstico.

Outro lance interessante de se observar é a arquitetura. Nas favelas e vilas, temos um verdadeiro festival de combinações de materiais onde a necessidade determina o estilo. Nos bairros mais ricos, o caso é mais grave. A falta de cultura de design e arquitetura dá origem àquelas demências neo-clássicas, uma vontade de ostentação que não encontra base estética própria e acaba pinçando aqui e ali qualquer coisa que possa passar por ornamento ou símbolo de riqueza e status.

Mas de tudo isso o que mais me chama a atenção na onda de mash-up ou, pra usar dois termos bem anos 90, über-customização, é mais uma vez a ilusão de que dessa forma teremos controle sobre a realidade que nos cerca. É natural, como espécie, que queiramos cada vez mais encontrar maneiras de controlar o ambiente externo. Mas também talvez já devêssemos ter nos dado conta de que enquanto não mergulharmos no ambiente interno, conhecendo-o e domindando sua linguagem e seu funcionamento, não há como se relacionar de maneira definitiva com o ambiente externo. Tenho que terminar de assistir essa palestra do Allan Wallace para o pessoal do Google. Dai comento com vocês, tem a ver com isso, com o fato das ciências terem vivido grandes revoluções nas áreas da física e da biologia nos últimos séculos, mas term estagnado na área da psicologia. Algo assim.

Na verdade tem o lance da ilusão da divisão entre ambiente externo e interno, mas, nossa, isso dá muito pano pra manga, mais areia que o meu caminhãozinho intelectual pode carregar no momento.