08 September 2006

Subjetividade

Pois o nosso diretor de planejamento aqui da agência voltou exultante de um encontro de planejadores que rolou em Miami.

Parênteses... a sigla da entidade que organiza o treco é ótima... Aaaaaaaahhhh... American Associantion of Account Planning...

Enfim... guardadas as devidas proporções, o tal encontro é, segundo o parceiro aqui, tipo um Cannes de planejamento. No sentido de que ali se percebem tendências caindo e outras brotando, alguns papos ficam velhos, outros blablablás são considerados o que há, direções são apontadas, ânimos são acalmados e novos desesperos são implantados na mente coletiva da galera.

Eu não vou me lembrar em detalhes de tudo que ouvi, mas o que mais me chamou a atenção é que parece que o trabalho de planejamento estratégico está caminhando rumo a um lance de subjetividade que muito me interessa.

Pros não publicitários que lêem o blog, planejamento estratégico é tipo o "penso" que se faz antes de colocar uma campanha na rua. Rapidamente traduzindo, são direções, raciocínios para posicionar a marca em questão em relação ao mercado e às tendências de consumo. Em uma linha cartesiana, poderíamos dizer que o planejamento de alimenta de dados e insights que alimentam a criação. É mais complexo e aberto do que isso, mas vale como exemplo.

Enfim.. o fato é que parece que os planejadores estão cansados de trabalhar com dados, planilhas, fórmulas, essas coisas. O que também não é grande novidade... há horas vem se falando muito mais em comunicar mensagens a "pessoas" e não a "consumidores". O que me soou impressionante é a disposição e abertura que os planejadores (enquanto instituição organizada) estão demonstrando. Vários relatos de palestras falam de processos altamente subjetivos e arriscados como ferramente de trabalho. Isso no Brasil seria até compreensível, uma vez que somos bem mais parceiros do caos como instrumento... mas nos EUA, onde até mesmo os riscos são milimetricamente calculados, é um acontecimento.

Para ser mais exato, o que captei é que cada vez mais os insights pessoais, a intuição e a piração desenfreada (porém bem direcionada posteriormente) estão sendo considerados como material de trabalho altamente qualificado. A mim faz muito sentido, porque sempre fico meio que de olhos arregalados em certas reuniões quando se começa a conversar sobre comportamento do consumidor como se nós mesmos, presentes na reunião, não fôssemos consumidores. Não é TÃO difícil assim compreender as motivações de consumo das pessoas porque afinal, nós publicitários também somos pessoas - embora talvez alguns ativistas de esquerda discordem.

Um ponto interessante dessa coisa toda é que o material humano de alta combustão e alto nível caótico que todos temos dentro de nós passa a ser aceito como fonte confiável, quando sempre foi algo meio que considerado... não legal. Nossa, cansei de ver mangolões defendendo idéias frias sobre comunicação de marca com dados, tabelas e pura matemática. Não que a matemática deva ser desprezada, mas nesse caso é uma matemátia não humana, no sentido de que prescinde de uma intenção interessante. Não digo nem intenção benevolente ou muito grandiosa, estou falando da falta de um mínimo de emoção genuína.

Isso não garante uma relação menos comercial, não é disso que estou falando. No filme "Obrigado Por Fumar", o lobbista-personagem-principal é alguém com um alto nível de empatia, uma pessoa altamente criativa, motivada, extremamente humana (com tudo que o termo tem direito). Alguém que eu identificaria como um apaixonado pelos processos interiores humanos. Mas o cara é TÃO apaixonado por isso que esquece de tudo que está envolvido nas questões em que se mete.

Tem uma cena no filme que eu achei incrível... o filme todo é legal, mas essa cena em especial me marcou muito - e se você vai ver saiba que isso pode ser meio spoiler. Meio, não muito.

O lobbista da indústria dos cigarros vivido pelo Aaron Eckhardt vai até a casa do cowboy da Marlboro, agora velho e com câncer, à beira da morte, tentar subornar o cara com 25 milhões de dólares pra ele parar de ficar falando mal da indústria do cigarro e tal. Só que o jeito que ele coloca a questão... um jeito que nos primeiros minutos você não sabe se ele está sendo honesto, benevolente, se ele está querendo ajudar ou não... qualé a do cara, enfim... então no meio da cena parece ficar óbvio que mais uma vez o lobista filhodaputa está dominando a situação - e talvez seja esse o ponto da cena, mas eu vi uma outra coisa ali... ficou tudo nivelado.

Acho que eu vou ter que contar para esclarecer... primeiro o cowboy da marlboro (Sam Elliot, fantástico...) diz que não vai calar a boca por aquele dinheiro sujo, coisa do tipo. Então o lobista abre a mala e, rapaz, são 25 milhoes de dólares... mas antes que o Sam Elliot possa pensar muito, ele pega a mala, vira o dinheiro no chão e começa a dar dicas de como o ex-cowboy da Marlboro pode transformar aquela tentativa de suborno em um espetáculo anti-fumo... "Chame os repórteres, vire a mala de dinheiro no chão e diga que você vai doar tudo para uma instituição de combate ao câncer"... mas os olhos do Sam Elliot ficam vidrados no dinheiro... ele pensa duas vezes... "e minha família?", pergunta... "Só funciona se você doar tudo"... é uma manobra... parece que o lobista está querendo se redimir dos seus pecados, mas o que ele fez foi EFETIVAR o suborno colocando o cowboy no mesmo nível que ele... duas pessoas querendo dinheiro... duas pessoas que se vendem, que "precisam pagar a hipoteca", algo que permeia todo o filme...

Bom.. é claro que uma questão dessas não é tão "preto e branco", mas eu acho que de fato naquele momento houve uma conexão de dois seres humanos, necessidades, desejos, ali houve uma leve ruptura nos papéis normais de "maldoso" e "coitado"... e isso de certa forma é tão bonito, porque nos coloca a todos no mesmo barco... mesmo guardadas as devidas proporções...

Enfim, chega por hoje...