16 November 2006

Big Ad



Esse comercial talvez seja a melhor representação do que eu venho pensando há algum tempo. No meio publicitário se comenta muito sobre a tendência de novas mídias (celular, internet, ações na rua), cross-media (quando essas todas são cruzadas na mesma campanha, se conversam), viral (todo mundo já sabe...) e também o já os quase passados comerciais "real life", com pessoas supostamente feias e esquisitas, fotografia mais estourada e também supostamente real (na verdade, uma emulação meio burra da publicidade da escandinávia, que buscava fugir da perfeição estética do seu país). Por outro lado, algumas tendências são pouco comentadas.

(Uma delas, que não vou perder tempo discorrendo, é a da FOTOGRAFIA VERDE. Agora até já não está tão EM VOGA, mas entre tipo 2003 e 2005 rolou muito comercial com FOTOGRAFIA VERDE, como aquele que tem aqui dois posts atrás. Mas enfim.)

O que quero falar é esse lance da grandiosidade e da distância dos conceitos. A grandiosidade é isso, cada vez mais precisamos fazer coisas muito grandes ou que pareçam grandes ou que soem grandes pra chamar a atenção. Mídia externa gigantesca é só um exemplo mais concreto, mas o principal são esses comerciais cada vez mais exagerados. Milhares de bolinhas descendo a ladeira, uma explosão de tintas ao som de orquestra, limões que atacam uma fábrica e tudo mais. Acho que um dos grandes ícones dessa história é o "Mountain" do Playstation (que aliás foi filmado no Brasil), marca xodó do mundo da publicidade pela doença dos seus comerciais. Eu poderia citar dezenas e mais dezenas de comerciais desse tipo, que misturam grandiosidade com doença, a colisão cultural que rolou nos anos 90 entre a megalomania ocidental com o olhar piradaço (a nosso ver) dos orientais.

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Não é muito difícil explicar esse tipo de coisa: está cada vez mais difícil chamar a atenção das pessoas. A publicidade (resumindo toscamente) é a arte de chamar a atenção e passar alguma mensagem. A parte da mensagem está sendo cada vez mais atrapalhada pela primeira parte da equação - que é muito importante. A questão não é nem a guerra entre as marcas, disputando espaço a partir do antigo clichê de que "cada vez mais os produtos se parecem e a diferenciação fica na comunicação". A questão é que o mundo está cada vez mais bizarro, com coisas incríveis e doentes acontecendo. Bom, na verdade o mundo sempre foi meio bizarro com coisas incríveis e doentes acontecendo, mas com as tecnologias digitais, ficou tudo mais claro, mais próximo, mais interligado, mais escarrado. É preciso disputar atenção com telinhas e telões, com iraquianos, com chineses, com tsunamis, com onzes de setembros, com a explisão demográfica de moradores de rua, com lojas de luxo, com a explosão de brinquedos e quinquilarias baratas, CDs, DVDs, mais canais de TV, mais aparelhos, mais bandas, mais filme, mais acesso a tudo mesmo para quem tem menos dinheiro (principalmente a partir da pirataria, das mercadorias roubadas/revendidas e da explosão de crediário facilitado nas grandes redes de varejo), é muita coisa. Não é preciso ir muito longe pra achar pequenos exemplos que mostram o todo: uma criança pobre, há bem pouco tempo, não tinha QUALQUER opção de brinquedo e hoje há uma miríade de quinquilharias baratas em tudo quanto é lugar para vender.

Resumindo, há muito mais COISA no mundo. E há muito mais imaginação sendo colocada pra fora. A quantidade de coisas que está sendo produzida em todas as áreas é incrível. É preciso gritar cada vez mais pra ser ouvido. É preciso então fazer esses tipos de comunicação grandiosa e doente como vemos cada vez mais.

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A distância dos conceitos é outra história. Tipo esse anúncio, que eu adorei quando vi:



Mas um minuto depois eu comecei a pensar: peraí, gente. Tudo isso pra vender pastilha? Falar da vida pra vender PASTILHA? Tudo bem que ninguém tem meras conexões funcionais com os produtos que consumimos (aliás, BEM LONGE DISSO), mas como na forma, no conteúdo a publicidade vive um momento de exagero conceitual. É bom pra se divertir vendo o intervalo comercial, mas comerciais como esse excelente, da Guiness...





... me fazem pensar "TUDO ISSO SÓ PRA VENDER CERVEJA?"

É, tudo isso. Ainda não consegui pensar numa solução pra isso. Mas se eu descobrir alguma fórmula mágica, eu aviso.

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Mas agora chega de papo reclamão de cronista de blog, porque isso já tem demais... qual seria a solução pra isso? Não vejo uma solução estilo MOVIMENTO ou REVOLUÇÃO. Eu não acredito em revoluções, não acredito em grandes massas de pessoas fazendo grandes movimentos. Elas existem, mas eu acredito muito mais em trabalho de formiguinha e na frase do Gandhi: "seja a mudança que você quer pro mundo".

É realmente complicado lidar com isso, ainda mais no dia-a-dia porque coisas como publicidade são esquemas complexos e cheios de meandros. Poucas pessoas sozinhas poderiam mudar alguma coisa de forma radical e repetina. Tudo que se pode fazer é olhar pra dentro, encontrar algumas guias e seguir em frente tentando influenciar algumas decisões. Mas com a clareza de que você está envolvido em algo muito grande, muito grande mesmo, fora do seu controle e que na real as coisas não vão sair como o esperado (esperado=utopias bisonhas ripongas).

A meu ver, isso pode ser resumido em 2 grandes dificuldades:

1) Falta de tradição em reflexão

O mais complicado disso tudo é que há POUCA reflexão no meio publicitário. Pouquíssima e rala. Em 13 anos eu vi pouquíssimas vezes levantarem discussões sobre ética que fossem realmente a fundo, tocando especialmente nas nossas responsabilidades mais profundas quanto ao que colocamos no ar. As que eu procurei levantar foram pouco ouvidas e a partir daí aprendi que é melhor fazer pouco mas pontual do que querer gerar algum estardalhaço. Mas é um problema sistêmico, não se têm o hábito de refletir na publicidade (não só na publicidade, mas enfim...). A maior parte dos publicitários, quando vê um problema social, pensa em fazer um anúncio e não em repensar seus anúncios. E não é por maldade. É por ignorância em alguns casos, preguiça em outros e também porque é preciso fazer alguns cavalos de batalha em algumas situações onde você vai contra toda uma lógica financeira e social. E como publicidade nos paga bem, é fácil nos acomodarmos. Sério, é muito fácil se iludir e eu, arrogantemente, me considero não tão iludido pela sorte de ter coisas que me abrem os olhos (educação dos meus pais, atividades em outras áreas que não a publicidade, etc).

2) O que gera uma falta de noção na crítica

A maior parte das críticas à publicidade são muito muito ingênuas, contaminadas por um suco de contracultura e filosofia barata de esquerda que não só são pouco fundamentadas como totalmente contra-producentes. Em outras palavras: não rendem mudanças. Muito blablablá fanzineiro e poucas possibilidades de mudar alguma coisa o que quer que seja. A minha tese é que a maior parte desse tipo de crítica vem de pessoas que não querem mudar nada, querem é ficar reclamando. Porque mudar alguma coisa dá muito trabalho e muita frustração, enquanto que escrever blog, reclamar, protestar. E tem mais: essa coisa de anti-consumo da Adbusters é boa pra gerar reflexão, mas não vai impedir o fluxo de consumo porque consumo está muito ligado a satisfação e felicidade, consumo GERA satisfação e felicidade e é preciso oferecer alternativas MELHORES ao consumo como fonte de satisfação e prazer - e não apenas detoná-lo.

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A partir disso, só vejo duas soluções, bem em cima desses dois aspectos. Claro que não são as únicas soluções, existem centenas, milhares. Mas vamos lá:

1) Ampliar a reflexão dentro do ambiente publicitário. Mas não a reflexão tosca e simplista tipo "fazemos o que podemos" e sim mais profunda do tipo "o que estamos enfiando na cabeça das pessoas" e maneiras PRÁTICAS de como mexer em estruturas. A reflexão em publicidade geralmente é assim: "Fome é foda. Vamos fazer um anúncio para combater a fome" e esses anúncios mudam muito pouca coisa. Essa é a parte mais difícil porque parece ser impossível. Mas nada é impossível.

2) Qualificar a crítica.... eu não sei exatamente como fazer isso, talvez escrever alguns textos assim seja uma gotinha num oceano. Mas isso envolve toda uma mudança de foco, abrir mão de toda uma bagagem cultural extreamente preconceituosa - que por sinal eu tenho em parte dentro de mim, fruto de anos e anos me alimentando com uma dieta rica em contracultura americana dos anos 60 (como eu disse outra vez, veja como somos colonizados, até mesmo nossa contracultura é americanizada).

Enfim... chega por hoje, estamos sem ar-condicionado, está uma Tanzânia isso aqui.