19 December 2006

Mínimo Denominador Social Comum

Uma das coisas que mais me dá inveja de quem curte futebol de coração (eu sou gremista não praticante, fiquei feliz pelos colorados vencerem domingo...) é a vasta conexão social que se forma entre quem os amantes da bola. Ontem eu estava parado numa sinaleira e vi uma cena de linda solidariedade, entre dois supostos gremistas desconhecidos. Sem maiores delongas introdutórias, os dois compartilharam "um momento" quando um passou pelo outro, largando essa...

"... e aquele Ronaldinho de merda chora depois..."
"... pois é... ôôô..."

E pronto, não houve qualquer contato maior. Horas e horas de análises e conversas e dúvidas e paixões foram resumidas de um jeito que mostra que, na real, nem precisava de palavras... o diálogo poderia ter sido assim.

"... ableeeeuheehoooorgg...."
"... unhé... aubê-borocochô..."

O efeito, a conexão social, o contato humano, tudo daria na mesma...

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Agora não existe maior denominador social que a metereologia. Eu fico de boca aberta olhando duas pessoas conversando sobre o tempo, é a coisa mais doce que existe especialmente entre desconhecidos. Porque é o cúmulo da falta de assunto e da necessidade humana de contato e de comunicação, mas também é um hábito já entranhado na vida da maior parte das pessoas. É o salva-todos, uma bóia de braço social, o preenchimento daquele incômodo espaço que existe entre duas pessoas que não se conhecem muito bem e precisam trocar algumas palavras. Ou entre duas pessoas que se conhecem e que não estão a fim de falar de mais nada. Então surgem os clássicos.

"E aí, será que chove?"
"Que loucura esse tempo, né..."

No Rio Grande do Sul ainda existe um clichê muito particular:

"Bah, de manhã fez sol, ao meio dia choveu e depois fez frio... a gente vive as 4 estações do ano num dia só..."
"Assim não há saúde que agüente..."

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Os taxistas são mestres na arte do Mínimo Denominador Social Comum pela necessidade óbvia de sua atividade: rápido contato com muita gente todos os dias. Imagine toda aquela gente entrando e saindo do seu "escritório", não há conexões duráveis e é preciso fazer algum tipo de contato. Deve haver algum tipo de regras não escritas, de hierarquia.

Por exemplo.

O primeiro assunto universal é o tempo, "será que chove", "coisa de louco esse calor", "que dia para estar na praia". Em todo o caso, se o passageiro for homem, o taxista pode tentar pular direto essa parte e ir direto para o futebol, começando com a tradicional questão: "Gremista ou colorado?" seguido do "Então tá triste..." ou "Esse é dos meu", algo do tipo. Se o passageiro for mulher, fica-se na metereologia ou então quem sabe se ousa um pouco falando "da loucura desse final de ano" ou de um dos mais genéricos termos da comunicação humana: "correria".

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Época de grandes eventos compartilhados é um prato cheio. Na eleição, entram em cena nas conversas aqueles misterioros personagens evocados em 9 em cada 10 diálogos genéricos: "ELES".

"É, a gente trabalha e ELES metem a mão no nosso dinheiro..."

ELES nunca prestam. ELES roubam, matam, estupram e fazem falcatrua. ELES merecem a pena de morte. ELES fazem as leis, ELES nos obrigam a comprar coisas que não queremos, ELES são responsáveis por todos nossos problemas.

Não deve ser por acaso que ELES é o plural de ELE, outro subterfúgio muito utilizado para o ser humano quando quer jogar a responsabilidade da sua vida em outra pessoa que não em cima de si mesmo.

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Passei a maior parte da vida ouvindo música que pouca gente também gostava e mesmo hoje tenho poucos gostos em comum com a maior parte das pessoas. Durante um bom tempo isso foi cool e divertido, dá a boa sensação de clubinho, de que você está fazendo a coisa certa, afinal não está ouvindo o que ELES mandaram que você ouvisse.

Mas eu confesso que sempre tive inveja de quem é superfã de Skank ou Ivete Sangalo ou Leandro e Leonardo. Porque esse pessoal vive periodicamente momentos incríveis de comunhão em grandes shows, enquanto que eu sempre me vi rodeado de gente parecida comigo, gente ranzinza que reclama porque suas bandas preferidas não faziam sucesso e não tocavam por aqui.

Juro que uma vez pensei: "na próxima vida eu quero voltar sendo mais pop".

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Mas também não adianta. Gostar muito de música tem dessas coisas. Por mais que eu escute de vez em quando meus Lulu Santos, é quando eu vou na casa de um amigo e ele me mostra coisas novas e fresquinhas como o space disco do Lindstrom que o olhinho brilha.