26 February 2007

Idorus e space invaders: publicitários gerando conteúdo



Publicitários serão sempre invasores no território da geração de conteúdo. Essa foi a primeira frase que me veio à cabeça assim que terminei de reler Idoru, novela sci-fi do pai do termo cyberspace e da cultura cyberpunk, o escritor canadense-americano William Gibson. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo.

Idoru conta com duas paralelas que no final se encontram. Em uma delas, Collin Laney é um “pesquisador” com um inexplicável talento para encontrar “pontos nodais” em infinitas paisagens virtuais de informação. Em outras palavras, a mente de Laney funciona como um mecanismo de busca na internet, com a diferença que não usa algoritmos ou códigos, mas sim sua poderosa intuição nascida de experimentos neuroquímicos que não podem ser replicados. A montanha russa começa quando Laney é contratado pelo staff de um astro do rock mundial (Rez) e enviado a Tokyo para descobrir quem está por trás da idéia que Rez teve de se casar com Rei Toei, uma Idoru, uma estrela pop virtual que existe apenas como holograma ou como amontoados de informações.



Na outra paralela, uma fã de Rez se manda para Tokyo auxiliada por outras meninas do fã-clube mundial para tentar descobrir a mesma coisa que Laney. Enquanto o “pesquisador” navega por dados, revolve seu passado como farejador de furos sensacionalistas e lida com a truculenta e abonada estrutura de apoio do roqueiro, Chia se envolve com contrabando de nanotecnologia, otakus e o consórcio mafioso que governa a Rússia, o Kombinat.

Para que essas duas linhas narrativas se encontrem, Gibson despeja em cima do leitor uma quantidade absurda de referências tech-pop que até bem pouco tempo atrás eram futuristas e agora começam a delinear nosso cotidiano. Uma boa parte do livro, por exemplo, acontece numa espécie de internet acessada não por meio de browsers, interfaces 2D, mouse e teclado, mas por experiências 3D através de luvas, óculos e... avatares. Um metaverso, para usar um termo cunhado por Neal Stephenson, outro escritor cyberpunk.

Está começando a pegar? Idoru, lançado em 96, antecipa em dez anos a popularização de metaversos no estilo Second Life. Como outras obras do autor e seus comparsas cyberpunks, o livro preconizou mudanças de comportamento definidas pelo uso universal de novas tecnologias. Foi assim com o conceito que gerou a idéia de “cyberspace” e “matrix” em Neuromancer (1984), com a necessidade de armazenamento móvel de gigadados em Johnny Mnemonic (1981) e com a onda de interesse por vídeos, trendwatching e cultura de nichos em Pattern Recognition (2003), pra citar apenas alguns casos.

Por ter nascido de uma imaginação privilegiada e não de uma mente mercadologicamente ansiosa para entrar no hype, Idoru é uma das fontes mais seguras para quem quer entrar um pouco mais na psicologia de fenômenos como comunidades virtuais e geração de conteúdo pelo consumidor. Veja bem: não estou falando em “entender”, “dominar” ou “definir”, mas em “entrar”, “participar”, misturar um pouco da sua mente com o ambiente de forma menos racional e monetária. E é aí que eu guino pra esquerda e volto ao assunto da primeira frase do texto: a tão falada geração de conteúdo, artigo valioso hoje no mundo da publicidade.



Publicitários serão sempre invasores no território da geração de conteúdo por causa de suas segundas intenções. Laney e Chia conseguem avançar na trama de Idoru, descobrir o que precisam e transformar suas vidas graças a seus interesses genuínos: Chia ama Rez, Laney ama os pontos nodais. O que move esses dois personagens ao longo das páginas não é o dinheiro, a venda ou a audiência. Estes são interesses legítimos, diga-se de passagem. Mas obstruem, freqüentemente, a geração de conteúdo relevante, em torno do qual pessoas podem se unir e formar comunidades. Isso não é idealismo e muito menos uma conclusão apressada tirada de um romance: é uma regra básica de sobrevivência em um novo mundo no qual empresas como a Sony, a Coca-Cola, a Wal Mart e o Mac Donalds pedem desculpas publicamente por colocarem no ar lamentáveis blogs falsos. Um mundo no qual, segundo o especialista em mídia Bruno Giussani, “você não constrói comunidades - ou você é parte de uma ou não.”

Mas e se você é, como eu, um publicitário? E se faz parte das novas atribuições da sua profissão entrar no território da geração de conteúdo? Como fazer isso sem ser um invasor? Antes de mais nada, esquecendo que você é publicitário. Abrindo mão de todas as prerrogativas publicitárias. Lembrando que você é um ser humano que se conecta com outros seres humanos em comunidades (virtuais ou não), que tem interesses culturais e sociais e que não passa (diferente da sua identidade de publicitário) a vida pensando em marcas, vendas, anúncios, prêmios, audiência, compras. Quando uma marca (ou um publicitáro) deixa de “simular interesses genuínos”, esquece a necessidade de controle e se mistura de fato com os interesses de seu público, é aí que as coisas começam a ficar tão ou mais atraentes quanto um bom livro de ficção científica. Com a diferença que é tudo verdade.