17 July 2007

Comunicação Básica



Eu adoro essa frase. Ela é a tentativa mais inútil que eu já vi na minha vida de tentar fazer valer uma regra. Tem uma certa poesia nela, uma mistura de resignação com desespero formal. Tem também, nesse caso específico, uma forte ambição: que você use apenas UMA folha.

Perceba que folha está com F maiúsculo.

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A maior parte desses equipamentos é mais modesta, dizendo que bastam duas ou três folhas. Mas dessa vez alguém na empresa foi realmente longe. Pode tanto ser um antigo funcionário com uma crença inabalável de que uma hora as pessoas vão perceber que "uma folha basta, eu sempre disse isso" quanto um novo trainee obcecado por implantar sua visão inovadora de que "vocês vão ver uma hora as pessoas vão perceber que uma folha basta".

Tem também as vezes que tentam nos chantagear com ecologia, já percebeu? "Bastam duas folhas. O meio ambiente agradece."

Arran. O Departamento de Compras agora se chama meio ambiente?

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Em tempo: uma folha não basta.

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Eu sempre gosto de imaginar que existe UMA pessoa isolada em uma sala no último andar de um prédio comercial na Avenida Paulista que faz essas frases. Esse cara - que deve se chamar Alcântara - fica o dia inteiro na frente do computador reduzindo páginas e páginas de relatórios a uma ou duas frases que devem ser afixadas nesse tipo de local.

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É o Alcântara que escreve o texto que a mulher presa dentro da cancela dos estacionamentos diz pra gente quando a gente retira o ticket.

"Retire o ticket e boas compras."

O Alcântara tinha outras opções, mas essa foi a escolhida.

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Um dos trabalhos mais intensos do Alcântara é para as companhias aéreas. Você já parou pra perceber a quantidade de ordens que tem escritas dentro dos aviões? Dentro do banheiro (eu contei uma vez) já encontrei DEZESSETE.

DEZESSETE pequenos avisos em um local de, o que, uns 2 metros quadrados? Deve ser a maior concentração de regras escritas do planeta. Desafio alguém a encontrar um lugar tão pequeno com tamanha quantidade de leis expostas.

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Mas isso até que faz sentido. Avião é algo muito perigoso, aquele trambolho flutuando por aí. É de fundamental importância que todo mundo cumpra as regras pra não dar alguma porcaria. E as pessoas sabem disso. E cumprem. Fora um que outro ator da Globo bêbado, não temos muitas problemas no geral. Pega toda a história do rock, você vai ver inúmeras confusões em hotéis, quebradeiras e tal. E nos aviões? O pessoal bebe, diz que faz e acontece, mas ninguém chega perto da saída de emergência. Nessas horas a gente vê qualé a dos rockstars...



Então a regra é mais ou menos essa: quanto menor for o ambiente e mais ele apresentar risco de vida, mais pequenos avisos nos lembrando disso temos que ter. Porque no fundo todos esses avisinhos no banheiro dos aviões servem pra lembrar que nós estamos em lugar muito muito perigoso, que a rigor não deveríamos nem estar ocupando.

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Semana passada eu contei TRÊS avisos sobre fechar a mesinha na poltrona em frente. Sim: num espaço de 1 metro quadrado havia TRÊS avisos escritos para fechar a mesinha.

Eu sei que eles não estão falando da mesinha. É um chamado. É um lembrete.

"Você não tem asas, você não respira no ar rarefeito, você não vai aguentar o frio lá fora se fizer algo errado. MANTENHA A MESINHA FECHADA, OK?"

É isso que eles querem dizer.

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Segundo uma coluna do recém citado Stalimir Vieira, agora tem em algumas embalagens de leite uma edificante mensagem escrita pelo Alcântara. Algo assim: "Denuncie as condições de trabalho análogas à de escravo."

Você entende? Mais uma vez, é uma inútil tentativa desesperada de mobilização em um espaço exíguo. Quem vai se sentir mobilizado a dar uma de Princesa Isabel com um quadradinho minúsculo na caixa de leite, às 7 da manhã, onde se lê "Denuncie as condições de trabalho análogas à de escravo"?

Pô, Alcantara!

Análogas??



Ok, eu estou falando, falando, mas eu já devo ter feito coisas desse tipo. Devo não, já fiz. Já caíram muitos folders técnicos na minha mão e eu tinha uma especial curtição porque é um trabalho de limpeza étnica semântica. Você corta tudo que que é subjetivo e deixa somente as regras limpas, claras e o mais sucintas possíveis. Eu adorava fazer isso. Todo dia, como o Alcântara, deve ser chato. Mas, de vez em quando, era um prazer sair do mundo da subjetividade das marcas pra chafurdar na mais básica comunicação direta e sem frescuras.

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E como eu gosto de ser propositivo, fica a minha sugestão para o texto do porta-papel.

"Retire quantas folhas precisar até que suas mãos fiquem secas."

Não digo com certeza que ia diminuir o uso de folhas. Mas eu acredito que gentileza gera gentileza, então é capaz de funcionar.

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O grande problema é a credibilidade de quem manda o recado. Você vai acreditar em um aviso ecológico ou pedindo austeridade se estiver no luxuoso lavabo da Price Waterhouse Coopers?

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Isso aqui não tem muito a ver com o assunto. Mas eu achei engraçado:





Isso tá pichado perto de onde eu moro:




Existem poucas coisas tão melancólicas quanto uma pichação política que permanece...