03 September 2007

O Aprendizado Bourne

Paulo Grama Verde

Não é bem um filme e nem uma franquia, como dizem por aí. É quase uma filosofia, um setor bem definido da área de entretenimento e que rende milhões, uma região econômica responsável por satisfazer milhares de pessoas fascinadas por esquemas e protocolos: são os filmes de procedimento.

Eu adoro filmes de procedimento.

Filmes de procedimento são aqueles em que, seja a história boa ou uma porcaria, o filme se segura por causa de um cara fugindo de outro cara. Entre esses dois caras, geralmente existe um monte de cidades, sendo que a coisa quase sempre começa em um país exótico da África ou da Ásia e continua na Europa (nos filmes mais palha, termina nos Estados Unidos).

(Update: existe um outro tipo muito sofisticado de filmes de procedimento onde são instituições perseguindo instituições. Tipo Os Dez Dias que Abalaram o Mundo.)

O cara que está perseguindo, no início do filme está dentro do escritório dando ordens para um bando de office boys de luxo da Cia ("quero que vocês procurem em cada garagem, em cada celeiro, quero saber o que ele comeu ontem, quero saber quantas moedas ele usou pra comprar o jornal, se ele espirrar eu quero saber quem disse saúde") e em muitos casos é o Tommy Lee Jones. Lá pelo final do filme, ele decide que é todo mundo um bando de incompetentes, pega uma arma automática e vai atrás do fugitivo ele mesmo porque afinal ninguém faz nada direito.

O cara que está sendo perseguido não tem todos esses recursos, em compensação é extremamente sagaz e costuma ter a equipe de produção do filme ao seu lado fornecendo dinheiro, passagens de trem, telhados interligados, armas que emperram e portas que abrem para becos onde dá pra fugir.



A série do Bourne nasceu como um clássico dessa lavra e vem fazendo bonito. Se os caras que perseguem o Bourne nas séries não tem lá muito carisma, ao menos é preciso dizer uma coisa do Matt Damon: ele sabe fugir bem. É um almofadinha em todos os outros filmes, mas nesse ele sabe fugir bem, dá uns pontapés certeiros, tem a manha dos vôos internacionais e faz bem cara de fugitivo preocupado que não tem tempo pra descansar.

Eu aprendi muitas coisas com os filmes do Bourne.

Um deles é como fazer um título de filme que seja fácil de replicar. Tipo, os filmes do 007 dão um trabalhão ao Alcântara. Já os do Bourne são barbada. Você só precisa pensar na primeira palavra. A identidade Bourne. A supremacia Bourne. O ultimato Bourne. A efeméride Bourne. A ilação Bourne. A etimologia Bourne. A sanção Bourne. O litígio Bourne. A diligência Bourne. A residência Bourne. O outorgo Bourne. O consentimento Bourne. A coincidência Bourne. Tem nome pra décadas aí.

A outra coisa que eu aprendi com os filmes do Bourne é que a melhor maneira de viajar pelo mundo é arrumar encrenca com a CIA. Porque, vamos combinar. O Bourne pode passar umas ruins, mas ele vive pra cima e pra baixo conhecendo lugares incríveis sem precisar trabalhar. Eu não sei onde ele arruma tanto dinheiro para passagens e hotéis, muito embora ele fique em hotéis pequenos onde dá pra pular de um telhado a outro. Mas a real é que eu suspeito que no dia que o Bourne quiser se aposentar, ele pode escrever um guia de viagem tipo "Europa a 1 assassinato por dia." Fica a dica.

Enfim, o fato é que no fim de semana fui ver o Ultimato Bourne e devo dizer que apesar do entusiasmo com as corruptelas e os trocadilhos, o filme é um pouco decepcionante. Não pela falta de vertigem: o diretor Paul Greengrass já vinha pesando a mão no nervosismo no Supremacia Bourne. E se você ver pelo menos outro filme dele, Domingo Sangrento, vai se dar conta que nervosismo é com o cara. Diz que o Vôo United 93 é a mesma coisa, que tu termina o filme precisando uma aguinha com açúcar, mas esse eu não vi.

O problema em Ultimato é que é tanta vertigem que simplesmente não sobre espaço pra uminha nesga de história que esses filmes precisam pra não cair direto na vala do Supercine. O que tem de enrolação boa em Identidade e Supremacia aqui deu lugar pra perseguição desvairada, enlouquecida e acelerada - ainda que magistralmente bem filmada (e isso dá gosto de ver - desculpa usar parênteses depois de um travessão - e dois travessões dentro de um par de parênteses).

Mas é o seguinte. Se tu resolver assistir O Ultimato Bourne, vai. Mas leva uma maracujina.