Simplicidade - parte 1
Talvez não exista hoje artigo mais valioso nesse mundo doente, caótico e saturado. Na real, nem todo mundo valoriza, a maioria não quer nem saber, mas eu sou um tanto quanto obcecado por simplicidade. O que não quer dizer que eu seja bom no assunto, que eu seja uma pessoa simples, de hábitos simples, de cotidiano simples. Na verdade, muito antes pelo contrário. Muito antes pelo contrário, meus amigos. “Menos é mais” pra mim não é nem uma filosofia de vida e nem uma habilidade, é um peso no outro lado da balança.
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Mas não foi por falta de aviso. Não posso, de jeito e maneira, reclamar das instruções que eu recebi. Talvez a melhor delas veio no meu pouco contato com o zen-budismo e o zen-shiatsu. Diferente do budismo tibetano, repleto de cores, rituais, sabores e matizes, o zen-budismo é muito direto ao responder as principais questões da existência. O sentido da vida, a solução para problemas cotidianos, saúde, prosperidade e sabedoria respondem a uma só ordem: sentaí e fica quieto.
Pode parecer simplista, mas vamos combinar que o mundo seria muito melhor se umas 50 pessoas específicas atendessem a essa singela recomendação.
Sentaí e fica quieto.
Por exemplo.
O autor de The Laws of Simplicity, John Maeda, é cientista do MIT. E designer gráfico. E artista. Anda com figurões de grandes empresas, dá palestras no circuito mundial do business e dirige o SIMPLICITY CONSORTIUM do MIT.
Quem sou eu pra falar. Mas, pô, Maeda. Sentaí e fica quieto!
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Por não ficar quieto, Maeda acabou com um livro nas mãos. Um livro interessante. Não exatamente uma obra prima. Mas antes de mais nada, um livro que parece ter sido escrito com o coração.
Os três primeiros capítulos são os melhores. Diretos e práticos, definem 3 leis básicas da simplicidade: redução, organização e uso do tempo. O capítulo da redução, em especial, é o mais legal de todos e foi o que fez eu sair falando pra várias pessoas sobre o livro. Na verdade, me arrependi um pouco depois porque fui continuando a leitura e me frustrando um pouco. Tudo começa muito claro e promissor, mas aos poucos vai ficando um tanto quanto sistemático demais até para o meu gosto.
Ainda assim vale a pena.
Maeda começa tudo apontando: “A melhor maneira de alcançar a simplicidade é reduzindo”. Isso soa como sublinhar o óbvio, mas vivemos em tempos em que o óbvio precisa desesperadamente ser sublinhado. O exemplo mais clássico sobre isso é o tal do Google, uma página simples com uma caixa onde você faz sua busca e clica no botãozinho, beijo e tchau, sem toda aquela poluição visual dos outros buscadores até então. Como comando prático para se atingir esse tipo de “simplicidade”, Maeda joga na área o acrônimo SHE: Shrink, Hide, Embed – Encolha, Esconda, Incorpore.
Encolha. Não é preciso lembrar a tendência de encolhimento de tudo no mundo. Daqui um pouco vai acontecer de você mexer num bolso da calça e dizer “bah, aquele celular que eu tinha no ano passado!!!!” Mas o lance mais curioso que o Maeda traz a respeito de “Encolher” é o poder que um objeto ganha ao ser reduzido. Por exemplo, você pega um iPod e fica olhando aquela caixinha ridícula, chega a dar pena. Mas aí você descobre que o troço guarda, organiza e executa um bilhão de músicas, mais meio bilhão de vídeos e tudo mais. Se ele tivesse o triplo do tamanho, não causaria tanto furor. Maeda afirma: “Um objeto maior que um ser humano demanda respeito, enquanto que um objeto minúsculo parece merecer pena” diz ele. Quanto menor, menor o tamanho e a expectativa, maior o assombro se o pequenino fizer coisas interessantes. Hm.
Esconda. Do canivete suíço às janelas de computador que você minimiza, “esconder” é um antigo truque indígena que funciona para ajudar a simplificar o uso de uma ferramenta: você utiliza uma e as outras ficam escondidas. Nos dois exemplos acima, “esconder” significa “gerenciar”: você decide qual lâmina deixar aberta e quais outros apetrechos deixar fechados. É o mesmo no computador. Enquanto Encolher tem a ver com o gerenciamento das expectativas, Esconder diz respeito ao gerenciamento direto da complexidade. Viu como a coisa toda é meio complicada?
Incorpore. Aqui o Maedinha começa a entrar total no psicológico da galera. “Os consumidores apenas vão ser atraídos por um produto pequeno e aparentemente menos funcional (encolhido & escondido) se ele for percebido como de mais valor que um produto maior e com mais features. Ou seja, aqui é uma questão de uma “sensação” que está incorporada ao produto que faz ele emanar um significado que o deixa mais importante e relevante do que objetos maiores e mais enfeitados. Essa sensação nem sempre vem de uso de materiais específicos, mas de um culto em torno do produto/objeto, seja um culto criado por meios de marketing ou não. Mais uma vez me vem o exemplo da Apple: muito marketing permite que as pessoas aceitem pouco enfeite, minimalismo, aquele lance cool minimalista que os tunadores de carro, os punks, os indianos, as escolas de samba e os budistas tibetanos rejeitam completamente.
(continua amanhã)