27 November 2007

Tecnologia, Sinceridade e Magia



Me avisaram na hora, depois me avisaram nos comentários do blog e me avisaram por email: a obra do Dario Robleto na Bienal não era "verdade". Os parágrafos escritos na parede descrevendo singelas façanhas cheias de magia descomplicada não diziam respeito a coisas que ele de fato fez, como eu achava. Estava escrito lá. Mas eu me distraí e olha que bonito: circulei por aí durante umas 3 semanas fascinado por obras que não aconteceram, que estavam apenas descritas na parede como sugestão de ação ou de sonho - ou ambos. Conversei com pessoas, contei, passei a história adiante e tal... tudo como se fosse... verdade.

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Mas e daí? O que importa? Eu venho pensando muito nisso, tendo uma frase em neón que volta e meia brilha na minha mente: "No ocidente, pensamos que mágica é a arte de criar ilusões. Para os tibetanos, destruir a ilusão é a mais alta forma de mágica". É da narração de um documentário - que eu ainda não vi - chamado "Destroyer of Illusion", sobre a vida de um lama tibetano.

Durante uma reunião chatíssima e irritante, escrevi umas duas páginas de caderno a respeito do assunto (isso vem pro blog uma hora), tentando fazer um mashup do Dario Robleto com essa frase do documentário. Algo tipo olhar para a simplicidade do cotidiano (tão difícil) como a magia que desilude, não a desilusão no sentido de "tirar a graça", mas de tirar o véu que impede que a gente veja as coisas como elas são (mais difícil ainda).

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Aí eu catei uma entrevista com o Dario no site da Fundação Iberê Camago. E tem um treco assim:

"Eu acho que o papel da sinceridade hoje em dia é o de defender o mistério, o encantamento e o mito. Isso pode até parecer contraditório de início, já que, hoje, a maior parte das significações de “sinceridade” parecem enraizadas nessa cultura televisiva de acesso total, ultra-emocional e confessional. Como eu falava antes, isso parece produzir uma geração de telespectadores que esperam que tudo lhes seja entregue de bandeja e que “realidade” e sinceridade são um ato de desmonte agressivo das barreiras que impedem tal acesso. Mas desmontar de forma destrutiva não encoraja a um engajamento real, mas sim produz um público preguiçoso, o que é um beco sem-saída. É como um mundo de zumbis confessionários zanzando por aí e admirando os destroços restantes de suas ações. Exagero para me fazer entender. Contudo, eu realmente acredito que a sinceridade hoje em dia pode ser empregada para nos lembrar da beleza do mistério, do encantamento e do mito – mas de modo a encorajar ao re-encantamento e conduzir a um eterno questionamento do mundo que nos cerca. Me encanta que a sinceridade, hoje, possa assumir significados tão diversos a ponto de sugerir não se revele tudo como uma maneira de encorajar esse engajamento. Quero enfatizar que eu não estou sugerindo o disfarce ou queda-de-braço, mas sim evocando o interesse que conduz ao inesperado e às infinitas possibilidades."

A princípio, pensei que a sinceridade de Robleto ia contra o "destroçar da ilusão" que eu pesquei do trailer do documentário. Mas algo me diz que são a mesma coisa: não existe maior sinceridade, nesse mundo tão exagerado, urgente, tecnológico e científico, do que admitir a presença da ilusão e do mistério; do que admitir a dificuldade de se desiludir; do que tentar mitificar o que foi tão "mal-desmistificado" (ah, os anos 90...).

É preciso saber desmistificar. Quem tem a manha?