15 July 2008

Mais Soma Ano Um


A revista mais legal do Brasil conseguiu completar um ano de vida na ascendente em termos de qualidade gráfica e de conteúdo. Conector esteve presente desde o primeiro número, começando com essa entrevista do Jonathan Harris e depois estabelecendo uma coluna sem muito estilo ou assunto definido. Eu esqueci de divulgar o lançamento da número 5, então aviso que a 6 está por aí e abaixo vai o texto que saiu na 5.



foto daqui


Oficina de Zen-Shiatsu


Uma pessoa deitada à minha frente no tatame. Uma pessoa: dois braços, duas pernas, uma cabeça, tronco e, destaco, uma mente. Cobrindo uma parte considerável do corpo, há músculos enrijecidos – não por musculação ou exercícios, mas pelo simples andar intenso dos dias. É assim com todos. De diferentes maneiras, todos usamos um pouco nosso corpo como depósito do que nos acontece. Como um armário, as coisas vão se empilhando. Como um armário, existe uma parte mais aparente (que algumas pessoas costumam dar uma ajeitada rápida) e outra mais profunda, cuja limpeza demanda, mais do que atenção, um bom motivo para ser mexida.

Dois polegares, trabalhando juntos, em dupla, são instrumentos eficientes no lidar com esse armário. Eu me curvo o mais atento que é possível naquele dia (às vezes não muito), junto os polegares e deixo que o peso do meu corpo chegue até os polegares. Eles pressionam o músculo endurecido enquanto respiramos: eu, a pessoa no tatame, meus polegares, seus músculos, meus pensamentos, seus ruídos. Todos damos uma boa respirada, caso eu consiga não cruzar a linha que determina quando termina a intenção e quando começa a invasão.

Quando aplico zen-shiatsu em alguém, também recebo. Sem o músculo doente, não haveria a possibilidade de promoção dos meus polegares. O refino da minha atenção (e da minha intenção) é, nesse caso, totalmente dependente do músculo duro empurrando meu dedo de volta. Sua resistência é causa de mudança em mim também. A força contrária viaja pelos meus polegares e toma conta de toda minha pessoa. A inspiração, a expiração, a inclinação e a consciência são convidadas a dançar. Sem precisar ir a uma festa, a dança me faz mais suave, mais alegre e mais ligado.

Não dá para dizer exatamente onde começa e onde termina o zen-shiatsu. E nem qualquer atividade. Com a música é a mesma coisa. Há uma intenção de tocar, cordas sendo manipuladas, som produzido, ouvidos recebendo o som e uma mente processando tudo. Nada disso sozinho constitui um show. O ouvido que bem recebe e o ouvido que mal recebe também são responsáveis pela experiência. Nada é mérito próprio, não há um elo ou uma figura singular que possa apreender o sucesso ou mesmo o fracasso. São todos veículos fluídos.

Da mesma forma, essa é uma compreensão inútil sob a forma de estalo ou epifania. Em outras palavras: é fácil absorvê-la em nossos elaborados esquemas intelectuais. Mas é um pouco mais trabalhoso integrá-la de forma prática ao dia-a-dia. Sem a repetição continuada por anos a fio, não haverá familiaridade com a idéia de que você co-escreve essa coluna comigo a cada palavra que lê. E tudo terminará apenas como um gancho para um final espertinho de texto.