15 December 2005

Ética (1)

Um dos principais objetivos desse blog é abrir um espaço de reflexão sobre a atividade publicitária. Por diversos motivos, a reflexão pura e simples é muitíssimo rara no dia-a-dia das agências e eu acho que isso faz uma falta tremenda.

Dois interessantes espaços de reflexão disponíveis seriam a imprensa especializada e o meio acadêmico. Mas o primeiro é muito próximo do mercado, gerando às vezes uma relação incestuosa à base de press-releases e muito pouca crítica real. E o segundo me parece distante, não vejo chegar no ambiente das agências material de reflexão útil com que pudéssemos trabalhar. Falo da minha experiência, é bem possível que haja parcerias produtivas por aí que não se limitem ao fornecimento de estagiários.

Um dos assuntos que é muito pouco discutido em profundidade no mercado publicitário é a ética. Ética em publicidade não se discute, se resolve à base de normas (inclusive quando se trata de remuneração).

A rigor, todas as agências respeitam o Código de Auto-Regulamentação Publicitária confeccionado pelo CONAR, o Conselho de Auto-Regulamentação Piublicitária. O CONAR foi criado no fim dos anos 70 como reação a uma disposição do Governo em criar um órgão de censura prévia à atividade publicitári. Antes que os militares fizessem mais bobagem, os publicitários se reuniram e propuseram esse conselho auto-regulador, formado por lideranças do setor.

Pode parecer que isso não daria certo, você pode achar que publicitários não puniriam publicitários, mas aí vai uma boa notícia: o CONAR funciona muito bem. Realmente incentivo uma visitar ao site do CONAR e um passeio entre os processos que já foram julgados. Entre disputas comerciais, você encontra ali uma boa quantidade de ações iniciadas por denúncias de consumidores contra publicidade que de alguma maneira foi entendida como prejudicial ao cidadão.

Na maior parte dos casos, o cidadão ganha a causa. E em 100% das vezes a decisão do CONAR é totalmente acatada, apesar dele não ser um órgão oficial, não ter poderes executivos. Os comerciais podem ter até mesmo sua veiculação sustada totalmente. Eu já tive a oportunidade de acompanhar a decisão do voto de um relator do CONAR em que ele pedia que o anúncio em questão não trouxesse mais informações fundamentais naquele asterisquinho no canto da página, mas explícita junto à chamada. A ação foi acolhida pela câmara do CONAR e a retificação foi feita.

É de total interesse dos publicitários que a publicidade ruim, mal feita e prejudicial seja estancada, barrada e filtrada. Todo mundo sai ganhando quando a publicidade é mais inteligente, mais divertida e mais ética.

No entanto, eu comecei a me perguntar se esse tipo de norma basta para definir a publicidade como ética e resolvi estudar um pouco do assunto. Um pouco mesmo, não é algo muito profundo.

Reuni alguns livros e alguns artigos, entre os quais um especial da Lia Diskin, fundadora da Associação Palas Athena na revista Bodisatva. No texto, Lia faz um rápido apanhado da história da Ética citando duas raízes: uma de ética normativa e uma de ética reflexiva – se bem entendi.

A ética normativa é “de fora pra dentro”: baseia-se num sistema de regras de conduta que precisamos obedecer.

A ética reflexiva é “de fora pra dentro”, portanto baseada em julgamento interno, individual.

Acho que uma não funciona sem a outra. A ética normativa, pelo que entendi, serve para orientar a ética reflexiva, mas o que costuma acontecer é que o sujeito se deita nas cordas e simplesmente pára de refletir, levando as regras de conduta ao pé da letra e esquecendo do caráter orgânico da vida. Todos nós vimos isso acontecer com a ética religiosa católica, um sistema que pode ser muito benéfico sendo talvez mal utilizado.

Mas, de volta à publicidade. O fato é que, pelo menos na minha experiência, existe muito pouco da tal ética reflexiva. Ou, quando existe, acontece duas coisas.

1) Ela é totalmente balizada por motivações comerciais. As decisões éticas são norteadas por questões de conquistar mercados e consumidores.
2) Quando a motivação é nobre, ela é mal pensada e formulada. Não existe um esclarecimento ou uma sabedoria mais profunda do que pode, de fato, trazer satisfação ao consumidor.

No primeiro caso, a reflexão até costuma ser profunda e muito estudada. É normal trabalharmos com pesquisas que duram vários meses e vão realmente longe na compreensão dos desejos dos seus consumidores. E não só dos desejos materiais, mas de suas aspirações de vida.

No entanto, geralmente se acredita que essas aspirações possam ser respondidas com comunicação, serviços ou produtos. Quer dizer, nem todo mundo acredita. Uma parte acredita e a outra parte (na qual me incluo) finge que acredita para poder fazer o seu trabalho.

(continua)