20 January 2006

In The Hell of My Head

Sabe "família de comercial de margarina"? Aquelas famílias felizes e perfeitas, formadas por um pai, uma mãe, uma filha e um filho, mesa bem posta com suco de laranja, tudo limpinho, pão cortadinho, luz perfeita e uma harmonia dificilmente achada nas corridas manhãs de 99% das famílias brasileiras... tá ligado?

Eu sempre me perguntei de onde elas saíram e por que usamos tanto esse tipo de iconografia em publicidade. A explicação formal tem um nome técnico tipo "aspiracional". Em publicidade, nunca trabalhamos com o cotidiano, com o dia-a-dia por um simples motivo: dia-a-dia não vende. O que vende é a tal da "imagem aspiracional", o "lugar mental" para onde o produto pode ajudar você a ir.

Isso é muito claro nos comerciais de veículos off-road como Mitsubishi Pajero ou For Eco Sport. Os comerciais mostram sempre jovens entre 20 e 30 anos vivendo pequenas aventuras em locais entre o paradisíaco e o inóspito. E, vamos ser honestos, quantos desses rapazes você vê andando por aí de Pajero e Eco Sport, se aventurando desse jeito? Qual é a idade e o estilo de vida de 90% dos motoristas dessas camionetes que você vê na cidade?

Eu não estou querendo fazer pouco desses motoristas e muito menos desqualificar a propaganda. Isso funciona em diversos setores, seja com publicidade formal ou não. O universo do rock, por exemplo, funciona em cima do mesmo esquema.

Nesses três casos (família de margarina, motorista de off-road e fã de rock), nunca o assunto é o dia-a-dia em si, mas paisagens mentais pelas quais a pesoa transita enquanto se relaciona com o produto (margarina, off-road e rock). E não haveria por que ser diferente na maior parte das circunstâncias. Se não houver o componente escapista e aspiracional, não funciona.

Lembra o filme com a Daryl Hahhah e o Dudley Moore chamado Crazy People? Nele, o Dudley Moore fazia um publicitário que, numa crise de stress, começava a criar campanhas dizendo somente a verdade. E as pessoas começavam a comprar enlouquecidas, o lance funcionava horrores e tal.

Hoje estamos vivendo uma era em que isso começa a ser valorizado. A Natura há um bom tempo vem investindo em publicidade com "mulheres de verdade" e não tentanto enrolar ninguém quanto aos efeitos de seus produtos. Agora a Dove vem com todo esse posicionamento a respeito da "mulher de verdade", a mulher com curvas, com sardas, etc e tal.

É um começo, e uma direção interessante. Mas sempre é bom questionar até que ponto esses posicionamentos vão se manter quando forem desinteressantes do ponto de vista comercial. A Natura está há anos batendo nisso, parece ser algo mais honesto. Quanto à Dove, só o tempo dirá. E ainda existe uma terceira opção: que esse tipo de discurso se torne commoditie, algo básico para qualquer empresa.

Mas algo, eu acho, nunca vai mudar: o desejo do ser humano de estar, agora mesmo, em outro lugar, na pele de outra pessoa, com seus defeitos e os defeitos da sua vida corrigidos.

Toda a indústria do consumo funciona (propositalmente ou não) em cima disso. E não só a indústria do consumo, mas as artes, a indústria cultura e todo o resto.

Se as pessoas anti-publicidade quiserem contribuir para um sociedade com menos consumo no futuro, eu sugeriria que abandonem essas campanhas antiquadas tipo "Buy Nothing Day" e comecem a oferecer algo para preencher o vazio que as pessoas tem dentro de si.

Não vale substituir o consumo de bens pelo consumo de ideologia.

PS.: o título desse post veio da música do Wry.