10 January 2006

Textinho cheio dos insights interessantes

Coca-Cola já não é mais a mesma porque os slogans publicitários não "pegam"

Evolução da cultura ocidental e da comunicação tornam cada vez mais difícil a divulgação efetiva dos produtos
Richard Tomkins - Financial Times

Já se passou muito tempo desde que a Coca-Cola produziu uma campanha publicitária memorável, mas a companhia tem a esperança de enfeitiçar a nós todos neste ano com a sua mais nova investida global, baseada na seguinte chamada publicitária: "Bem vindo ao lado Coke da vida" ("Welcome to the Coke side of life"). Talvez este slogan nos galvanize como nenhum outro conseguiu na história da companhia, mas eu devo dizer que ele não soa muito promissor. De um lado, ele carece do impacto, por exemplo, de "Pense diferente" (Think different), a frase destinada a vender os computadores da Apple, ou "Just do it" ("É só fazer"), da Nike.

Refrigerante já foi tema de Andy Wharhol, autor da montagem "Silver Coke Bottles", de 1967
De outro, ele nada diz a respeito do produto, da pessoa que o compra ou da experiência de consumi-lo. Mas, acima de tudo, ele parece estar completamente desprovido de sentido.Isso não significa que devamos esperar racionalidade em demasia daquilo que torna uma propaganda memorável: afinal, poucos são aqueles que teriam apostado que a chamada publicitária da cerveja Budweiser, "Whassup?" ("O que está rolando?") se tornaria um fenômeno da cultura pop global. Mas, ao menos, havia uma mensagem discernível no slogan: "Things go better with Coke" ("Tudo melhora com uma Coke"), a grande campanha publicitária da Coca-Cola nos anos 60, e em "It's the real thing" ("Esta é a que vale de verdade"), a lendária campanha da companhia nos anos 70."It's the real thing" tornou-se um slogan particularmente bem-sucedido por causa da sua associação com o anúncio "Hilltop" ("Topo de morro") da Coca-Cola que trazia a música "Eu gostaria de comprar uma Coke para o mundo".

Contudo, os anúncios, de forma geral, pareciam ser mais memoráveis naquela época do que são agora; muitos dentre nós que vivenciaram aquela época ficam horrorizados quando descobrem que nós ainda somos capazes até hoje de recitar os slogans e cantar os jingles que acompanhavam esses comerciais televisivos naqueles dias.

Para ser justo, vale acrescentar que isso não se explica necessariamente pelo fato de que os anúncios eram melhores ou mais persuasivos no passado. Nós simplesmente os víamos muito mais porque um número muito menor de anúncios era veiculado e que os mesmos comerciais eram repetidos de maneira incessante na quantidade muito pequena de canais de televisão então disponíveis. A exposição contínua aumentou de tal forma que ela se transformou numa espécie de lavagem cerebral, condenando uma geração inteira de britânicos a passarem o restante da sua vida cantando (entre outras coisas) "1001 cleans a big, big carpet for less than half-a-crown" ("1001 limpa uma carpete grande, grande, por menos de uma meia-coroa").Mas, o que foi que aconteceu com os jingles? Uma explicação para o fato de eles serem raramente utilizados hoje é que eles soam babacas demais para continuarem a ser levados a sério. Num meio-ambiente tão fragmentado como é o da mídia hoje em dia, tornou-se também muito difícil obter o grau de exposição necessário para fazer com que eles funcionem efetivamente. Conforme explicava um artigo no website do jornal "The Seattle Times" na semana passada, hoje os publicitários recorrem com maior freqüência a músicas pop para transferir um pacote de sentimentos e de associações "prontos para o consumo" a serem relacionados com o produto.A fragmentação da mídia permite explicar muitas coisas. Eu detecto paralelos entre o que aconteceu com produtos de marca e o que aconteceu com artistas renomados. Afinal, ambos almejam a fama porque ela não só define o seu sucesso como ela também o aprimora.

Naqueles dias em que o cinema era o veículo predominante do entretenimento de massas, os filmes e as figuras famosas que neles apareciam despontavam como muito mais importantes e memoráveis do que elas são hoje. Atores de Hollywood tais como Greta Garbo, Humphrey Bogart, Ingrid Bergman e Cary Grant eram chamados de estrelas, o que refletia adequadamente seu status maravilhoso de pessoas que circulavam numa órbita diferente do resto dos mortais, sendo equiparados a semi-deuses e a semi-deusas.Contudo, à medida que os canais da mídia, e particularmente os canais de televisão foram proliferando, a demanda por conteúdo foi crescendo e, junto com ela, a demanda por um número maior de artistas. As estrelas de Hollywood acabaram tendo que competir pela fama com uma multidão de celebridades das telinhas, integrada por atores, apresentadores, comediantes, ídolos da cena pop, personalidades dos esportes, políticos, âncoras de programas de auditório e tele-evangelistas. Agora, em função da TV-realidade, as grandes estrelas precisam competir até mesmo com pessoas comuns. A diluição da fama produziu uma diminuição da grandeza, o que fez com que as estrelas antes consideradas como seres celestiais acabaram sendo reduzidas a meras celebridades ou, até mesmo, a figuras "carimbadas".

Aqui, é preciso considerar esta evolução com certa cautela. Os economistas falam da falácia do "volume fixo de trabalho" para descrever a noção segundo a qual a quantidade de trabalho disponível está pré-fixada e que ela deve ser compartilhada pelos trabalhadores entre eles, como se fosse um bolo. Numa veia similar, nós devemos tomar cuidado para não criar uma nova falácia do volume fixo de fama, sugerindo que existe uma quantidade pré-determinada de fama disponível para ser distribuída. De fato, a quantidade de fama disponível aumentou consideravelmente desde os dias em que o consumo de celebridades que as pessoas se permitiam consistia em ir ao cinema uma vez por semana.No mundo ocidental, as pessoas hoje passam horas consumindo os meios de comunicação diariamente. Economias que no passado eram baseadas na agricultura e, mais tarde, na produção industrial, estão se tornando cada vez mais fundamentadas no entretenimento --o que não ocorre tanto, conforme não poderíamos deixar de mencionar, naquelas onde alguns poucos divertem a grande maioria, e sim, muito mais, naquelas onde nós todos divertimos uns aos outros.

Nós podemos perceber algumas dessas mesmas influências sendo aplicadas na venda de produtos de marca. Houve uma época em que a Coca-Cola gozava de um status privilegiado por ela ser parte integrante de um número comparativamente pequeno de marcas reconhecidas internacionalmente. É fato conhecido, as preocupações sanitárias em relação à quantidade de açúcar na Coke contribuíram para uma diminuição da demanda por esta bebida nos mercados ocidentais.Mas, apesar do aumento dos gastos dos consumidores, as marcas famosas enfrentam muitos dos mesmos problemas que os artistas famosos. A fragmentação dos canais de comunicação torna cada vez mais difícil alcançar as audiências de massa, enquanto a proliferação de produtos em competição dilui a fama de produtos que antes eram verdadeiras estrelas.Isso não quer dizer que tudo tenha acabado para os grandes nomes. Basta olhar para o Google, que veio do nada e que, num período de poucos anos passou a competir com a Coca-Cola como a marca a mais conhecida em todo o mundo. O Google, é claro, possui um slogan excelente: "Don't be evil" ("Não seja mau"). Mas, de maneira muito interessante, até onde se sabe, ele se transformou no que ele é hoje sem nunca ter veiculado qualquer anúncio.

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Achei esse texo tão interessante e acho que ele coloca tantas coisas em perspectiva que tenho medo de comentar e estragar. Mas é que ele me lembrou muito uma reclamação que publicitários mais antigos fazem muito frequentemente em veículos do meio: ficam se perguntando "onde estão aquelas campanhas memoráveis"?

Já tinha me ocorrido que o problema não está propriamente nas campanhas, mas o texto acima me ajudou a organizar o pensamento.

Em primeiro lugar, a despeito de cada geração achar que a próxima está diluindo o que se fazia antes, a verdade é que boas idéias sempre vão existir. Elas talvez só tenham que conviver em ambientes de mídia mais saturados ou então em locais onde não estávamos acostumados a procurar (internet, festivais de música feitos por empresas de celular, etc).

Em segundo lugar, como frisa bem o texto, "memorável" não é uma palavra muito fácil de se aplicar a QUALQUER coisa nos dias de hoje. Não são só as campanhas publicitárias que estão mais difíceis de se fazer memoráveis, mas as bandas, os filmes, os livros. Como já se disse por aí, é provável que nunca na história da humanidade tenhamos sido tão impactados por tanta informação. Então também não vamos ser tão exigentes e achar que é fácil fixar uma imagem nos pensamentos de uma sociedade que não fica mais um minuto sem ter estímulos visuais ou sonoros. Com tanta coisa entrando na cabeçola, por que se preocupar em guardar algo? Com a possibilidade de armazenar uma discoteca inteira em um aparelho de mp3, suas lembranças de viagens todas em meia dúzia de CD-Rs, um giga de emails, por que guardar na cabeça?

Existe um lado bom nisso tudo que é a possibilidade de aprender sobre a fugacidade das coisas. Coisas terminam e somem e isso é algo bem aparente nos dias de hoje. É uma boa época para aprender essa difícil arte.

Ah, é difícil.

Para nós, publicitários, é um puta desafio. As estratégias mudaram totalmente e exige uma ginástica totalmente nova. Há alguns anos era muito simples: um jingle excelente, um comercial comovente, um anúncio impactante. Hoje isso tudo precisa ser complementado por uma presença ostensiva na vida das pessoas e, de preferência, sob a forma de outra coisa que não publicidade. Olhe ao seu redor e veja a quantidade de eventos, imóveis, mobiliário urbano, promoções e o que mais seja, tudo isso carregando marcas ou valores de marcas específicas. Para não falar que os consumidores andam fazendo concorrência: usando, amando e propagando os valores das marcas, eles andam vendendo mais para seus colegas consumidores do que nós publicitários.

Então se você é um simples consumidor e está se sentido cercado demais de publicidade por todos os lados, não reclame. A culpa é sua porque pouca publicidade ou publicidade muito convencional não funciona mais com você.