26 April 2006

Uma nota sobre compaixão e coisas do tipo

É um lance engraçado. Uma palavra que vem sendo muito muito citada e utilizada. Como tantas outras nessa era meio de "auto-ajuda" que a gente vive. Mas é realmente complicado entender exatamente o que significa e, o mais complicado ainda, colocar em prática.

Quando alguém descobre que eu sou budista (e isso não é muito difícil porque eu não sou exatamente discreto), parece que automaticamente eu ganho uma série de bônus. Rótulos tipo "budista", "vegetariano" (que não sou), "militante de ONG" (idem), "terapeuta transpessoal" (tampouco), sempre dão um crédito à pessoa - pelo menos por algum tempo.

No caso de "budista", cai automaticamente na sua conta um depósito. Você vira, aos olhos dos menos atentos, paciente, compassivo, amoroso, legal, joinha, gente fina e todas aquelas coisas. A armadilha para quem está olhando de fora é óbvia: como é que você vai saber que eu presto ou não só porque eu disse que sou budista? Essa é a mais fácil de lidar. A mais problemática é da porta de casa pra dentro, da cabeça pra dentro, não cair na besteira de acredita no que as pessoas acham de você, que você e tudo bem bom e paciente e tal. Se eu fosse mais corajoso eu contaria algumas patuscadas minhas, mas deixa pra lá.

Isso é realmente "major issue" para praticantes budistas. Os lamas estão sempre dando a real sobre o assunto. Existe um livro especialmente punk sobre isso, que é muito direto, duro e verdadeiro.



Agora lembrei também de um disco do Ziggy Marley que ouvi muito durante o verão. Um disquinho bem massa pra ouvir na praia, que tem aquele hit "True to Myself" e tal. Como grande parte dos discos de reggae, ele contém uma pregação incansável a respeito de amar a todos. É uma letra atrás da outra, algumas mais interessantes, outras lamentáveis de tão clichê. Mas uma coisa que me bateu forte ouvindo esse disco é o seguinte: "Ok, eu já entendi que é preciso amar todo mundo, mas de que adianta ficar só repetindo isso? Cadê o método? O que é que se faz para amar todo mundo? Quais são as implicações, as dificuldades, os prós e os contras? Realmente vale a pena amar os outros? Ou não vale?".

O ponto aqui é que é pouco comentado o fato de que amor, compaixão, liberdade, essas coisas podem (E PRECISAM) ser TREINADAS (e treinadas com um professor). Só porque têm um nome bonito, muitas obras de artes legais feitas em seu nome, parece que são coisas que acontecem por si só, que você vai amar e ser amado e resolver os problemas simplesmente, sei lá, de uma forma natural. Do ponto de vista do budismo, essas qualidade até são naturais na mente de qualquer pessoa. Mas elas estão destreinadas. Esse "natural" precisa ser revelado, desobscurecido. Esse "natural" está há um tempão no sofá assistindo TV e comendo porcaria, ele precisa de um chute na bunda pra ir pra rua correr e entrar em forma. E isso não acontece sem um mínimo de esforço nesse sentido... as coisas não vai cair no nosso colo.

Então tem coisas como felicidade. E intuição. E sabe-se lá o que é exatamente tudo isso.

E segue o baile.