12 June 2006

A Vila

Só esses dias vi aquele filme do Xaimaláian, A Vila. Tinham me avisado q era uma bomba, tinham me avisado q era massa, fiquei no segundo time. Acho q quem achou uma bomba ficou esperando um outro filme de suspense e tal. Mas, apesar do suspense, eu achei uma metáfora muito, mas muito mais interessante ali.

Quem não viu e quiser ser surpreendido, não leia o resto do post. Porque rola que existe uma vila mezzo século passado onde o pessoal vive cercado por uma floresta. E não é possível sair da vila porque na floresta existem uns bichos assustadores e barra pesada que matam, esquartejam e fazem o diabo a quatro. Pelo menos é o que alegam os "elders", os tiozinho da vila, pra educar os mais moços, esses moços, pobres moços, a respeito dos perigos da floresta.

Tudo muito interessante e apavorante, até q por um problema sério da vila, a quase morte do Joaquim Phoenix, um dos elders resolve contar a real pra filha dele (cega, apaixonada pelo Joaquim) e liberar ela pra passar pela floresta. Tem outros rolos q não cabe aqui, mas o lance é o seguinte... ao longo do filme, começamos a descobrir q a tal vila do século passado é na verdade uma comunidade q vários casais formaram depois de sofrerem perdas traumáticas de familiares com assaltos ou outros atos de violência. Foi tão fodido pra eles que resolveram criar uma comunidade absolutamente protegida para eles e os filhos deles viverem. Ficaram tão mal que resolveram iludir os filhos dele, na esperança de protegê-los dos sofrimentos do mundo. Ah: a área toda era comprada por um cara e cercad, toda cuidada... mas quem morava dentro da vila não sabia.

Isso me lembrou muito uma explicação psicológica da história do Buda q eu vi um lama falar... vou resumir a história, depois dou a tal interpretaçã.

O Buda, pra quem não sabe, era um ser humano como qualquer outro, mas um ser humano muito rico, um príncipe chamado Sidarta Gautama, filho de um rei que mandava numa região enorme da India. Assim que o Buda nasceu, um oráculo deu a real: "Esse guri vai ser ou um grande líder espiritual ou um grande líder político". Pai é pai, né, então o pai do Sidarta resolveu cercar o filho com TODOS os confortos da vida material pro guri não inventar história de virar monge e líder espiritual. Então a vida do Sidarta foi a vida que muitos de nós gostaríamos de ter: tudo do bom e do melhor, comida, roupas, mulheres, diversão e mais ainda... o pai do Sidarta/Buda deu um jeito do filho nunca ter contato com pessoas velhas, pessoas feias, pessoas doentes ou com pessoas morrendo ou mortas. Resumindo, o Sidarta era um playboy mais mimado do que qualquer playbou que a gente conhece porque ele realmente não tinha a menor noção de fatos básicos da vida como doença, velhice e morte.

Depois tem toda a história... ali pelos 27 anos, à beira de uma crise dos 30, em pleno retorno de saturno, o Buda começou a sentir aquele comichão pra sair e conhecer a vida... começou a desconfiar daquele paraíso montado ao seu redor e, pra resumir, hoje tem um templo massa ali em Três Coroas, o Dalai Lama recém esteve no brasil e o Richard Gere é um budista famoso.

Mas o que interessa aqui é o seguinte. A atitude do pai do Buda é uma EXCELENTE metáfora sobre uma área da mente que todos nós temos... todos nós temos um "pai do Sidarta" dentro de nós querendo a todo custo nos fazer esquecer e nos fechar para os fatos mais machucantes da vida. Isso não é errado ou ilegítimo, mas, como no filme, é uma defesa muito precária.

A Vila, de certa maneira, é a história sobre pessoas machucadas, mas tão machucadas, que tentaram erguer muros e barreiras, se fechando para a vida para nunca mais serem machucadas.

Não é questão de criticar essas pessoas e quem, a não ser quem passou por perdas traumáticas, pode avaliar o que é essa dor?

Mas eu acho sempre interessante olhar para esse tipo de experiência porque acho q fazemos isso em menor escala o tempo todo. Em vez de grandes muros, pequenos tijolos que aos poucos vão construindo "vilas falsas" que, além de serem falsas e artificiais, se revelam no fim das contas absolutamente inúteis para nos proteger.

Algo assim.