05 September 2006

Elemewatson, meu caro tar

No início do ano tivemos na agência o primeiro módulo do curso do Charles Watson sobre processo criativo. Não vou entrar em grandes detalhes sobre o que é... tem alguma coisa num post desse blog mesmo e também dá pra googlear mais algo.

A questão é que o curso realmente trouxe um monte de questionamentos pro pessoal na agência, gerou um efeito legal, o que já me leva a desviar o assunto e lembrar de uma reunião que tive semana passada... discutíamos sobre as implicações sociais da publicidade (isso obviamente dá outro post) para um evento que vai rolar em Porto Alegre e uma das coisas que eu levantei é que na nossa profissão o hábito da reflexão é praticamente inexistente. Não que tudo seja feito a la louca, sem qualquer tipo de penso, mas estou falando de reflexão ÀS GANHA, olhando todos os lados, examinando possibilidades, revirando as entranhas, ou pra ser mais exato e direto: ABRINDO A CAIXA DE GORDURA.

Acho que a ÚNICA pessoa que eu vi fazendo contrapontos interessantes que colocassem a publicidade de um ponto de vista não unicamente mercantilista foi o grande Stalimir Vieira, um cara que sempre escreveu colunas ótimas para o Meio e Mensagem.

Bom, o fato da agência pagar o curso para qualquer funcionário interessado já é uma boa coisa. Porque não é um cursinho comum desses in-company estilo “Como Vender Mais” e sim um esquema que mexe muito com a cabeça das pessoas, enche a parte de trás das orelhas de pulgas pra dizer o mínimo. Quer dizer, se você aproveitar, claro. Acho que esse é um bom predicado de qualquer processo de aprendizado: ele tem que trazer mais dúvidas que respostas. Como diz Dzongsar Khyentse Rinpoche (a respeito de um outro assunto, mas se aplica aqui): “com o passar do tempo, não é que você encontra as respostas, mas suas dúvidas ficam mais inteligentes”. A frase não é bem essa, mas a idéia margeia essas palavras.

Pois de novo veio o Charles Watson plantar pontos de interrogação em nosso fluxo mental diário. Foram 4 dias de curso, 4 horas por dia, uma carga horária bem intensa se considerarmos que os primeiros dois dias foram logo depois do trabalho e os outros dois levaram boa parte do nosso fim de semana. Tudo bem, valeu a pena.

Minhas anotações dessa vez foram bem mais confusas e não-lineares. No primeiro módulo eu consegui mais ou menos determinar um caminho no meu bloco, mas dessa vez eu realmente abandonei isso e comecei a preencher uma folha meio a esmo na esperança de que essa bagunça fosse algo mais fidedigno à situação da minha mente durante o curso, se é que você me entende.

A coisa toda começou obviamente com uma retomada dos conteúdos do primeiro módulo e logo no primeiro dia algo me surpreendeu: aquela aura de carisma em torno do Charles Watson estava um pouco mais opaca, coisa que captei mas só entendi no terceiro dia. O lance é que ele é muito, muito carismático, um orador sagaz & maroto. E não só isso, ele é muito inspirador, é o tipo de cara que sabe pinçar algumas frases legais e colocar de forma que você sai querendo “fazer coisas”. No primeiro módulo todos nós ficamos absolutamente encantados, a ponto de “Charles Watson” virar adjetivo. Toda idéia mais absurdete ou malukinha era uma “idéia Charles Watson”. Exagero, obviamente... estávamos emocionados com a novidade...

Dessa vez não foi tão assim. O sistema de humor da palestra já não era novidade. Mas o que poderia ser um problema pra mim foi melhor. Tipo, o carisma é necessário para segurar tantas horas de aula. Mas por outro lado foi bom poder prestar mais atenção ao conteúdo, captar um pouco mais da sustância por trás dos holofotes.

A principal diferença do primeiro para o segundo módulo é que no primeiro ele se detinha mais no “big picture” do processo criativo, enquanto aqui ele esmiuçou técnicas a partir de seus estudos particulares da vida e processos de artistas e cientistas.

Ele relembrou o trabalho de vários artistas que apresentam um nível altíssimo de motivação e de foco, como por exemplo o Roman Opalka. Mais uma vez, frisou a importância de forçar a descategorização das coisas como parte do processo criativo e também de uma vida mais interessante. “Pessoas criativas tendem a ter maior tolerâncias a ambigüidades” repetiu muitas vezes. Também disse em outra palavras: “Pessoas criativas resistem à tendência de querer categorizar as coisas”. Falou daquela sensação que sentimos quando saímos de um filme que não sabemos classificar como bom ou ruim. É essa área totalmente ambígua e inclassificável que alguém envolvido em processo criativo deve querer habitar.

Impossível pra mim não lembrar de dezenas de ensinamentos budistas que recebi ou li. Todo o caminho budista é baseado em processos de descategorização, de liberdade de visão e de familiaridade com o desconforto, com o não-convencional, com a tradicional e eterna falta de jeito do ser humano. Lembrei muito dos livros da Pema Chodron e da epígrafe de um dos seus livros que diz “Vá aos lugares que lhe assustam”, conselho poderoso que a iogue tibetana Machik Labdron recebeu de seu mestre.

Mas o budismo não apareceu só na minha cabeça. Lá pelas tantas, o Charles Watson passou um vídeo sobre o processo e a obra de um artista inglês chamado Antony Gormley. Um trabalho lindo e interessantíssimo de vários pontos de vista... o cara trabalha com esculturas em chumbo investigando a ligação entre corpo físico e espiritual.


"Three Toughts" - Antony Gormley - 1984/85

Eu adorei o vídeo, fiquei interessadíssimo na obra e quando apareceu um trabalho chamado “Three Toughts” (acima), fiquei realmente perturbado... sério, sem exageros, me deu um troço no estômago, deu um arrepio e me lembrei também de um trecho de um livro da Pema Chodron onde ela contava de um retiro que fez para investigar a natureza dos pensamentos... e ali estava aquela escultura, três enormes esferas de chumbo chamadas “Três Pensamentos”... eu não saberia colocar em palavras as conexões que fiz quando vi isso. Na boa, olha só o que é a viagem do cara... Outra coisa do vídeo do Gormley que mexeu comigo foi um trabalho que ele apresentou mostrando um cérebro humano em resina questionando a idéia comum de que a consciência humana é localizada no cérebro. Isso me chamou a atenção, pois foi a única vez do curso em que eu vi essa questão colocada. Foi aí que o professor revelou que o Gormley é budista... não posso Chapolinizar e dizer que suspeitei desde o princípio, mas ao mesmo tempo eu estava desconfiado de que alguma coisa ali não estava alinhado com o resto do curso, que é todo muito baseado nas noções científico-ocidentais de consciência e talz...

É um hábito meu... bater conteúdos desse tipo com algumas coisas que aprendo no budismo. E não pude deixar de comparar o trabalho de gente como o Roman Opalka ou mesmo a disposição do Gormley para ficar horas tirando molde do seu próprio corpo com a paciência e foco dos grandes praticantes budistas. As técnicas de descategorização também me lembraram os koans do zen, talvez a maneira mais doente e engraçada de gerar quebra de percepção.

(Koans são como perguntas esquisitinhas feitas por mestres a alunos com intuito de justamente quebrar a lógica comum. São questões como ‘Qual é o som de uma mão batendo palmas?’)

Bom, parece forçação de barra, mas quando ele comentou que o trabalho mais consistente de artistas trazia sempre escolhas minuciosas que levavam em consideração cada conseqüência daquelas escolhar, não pude evitar de lembrar dos ensinamentos sobre carma...

Ok, eu paro com isso...


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Eu tenho mais algumas frases legais anotadas aqui... essa é boa, sobre esse lance da mania que temos de querer logo colocar as coisas nos seus lugares:

“Às vezes uma coisa é tão o que é que ela elimina dúvidas, eliminando também nossa capacidade de questionar e pensar”

E essa é muito boa também... “Não existe boca livre no universo. Você tira da vida o que investe.” Bah, aqui me bateu o arrependimento de tanto tempo preguiçoso em alguns aspectos... e de choramingar por algumas coisas que não aconteceram simplesmente porque eu não fui atrás... mas, coisas da vida né.

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Outra anotação aleatória que eu achei aqui agora... acho muito interessante você pegar artistas como o Gormley, que trabalham com questões absurdamente sutis e conceituais mas que ao mesmo tempo metem a mão na massa.... tipo, o cara realmente se deixa enrolar todo por bandagens por horas pra fazer os moldes... ou se mete em uma fundição pra fazer as estátuas... quer algo mais CONCRETO e ANTI-ABSTRATO que uma fundição?

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“Não existem técnicas para resolver problemas, mas sim técnicas para remover os impedimentos que temos para resolver problemas.”

Essa frase tem dois aspectos interessantes. Um é essa inversão de lógica... você tira o foco do “problema” e passa a trabalhar com seus próprios obstáculos. Removendo os obstáculos, a solução brota de certa forma natural. Parece meio louco e mágico, mas é assim que acontece toda vez que pensamos uma campanha... aparentemente são elementos externos do briefing que são rearranjados sob a forma de uma idéia... mas na real né não... na real o que foi rearranjado são os obstáculos que existiam na mente. É como arrastar os móveis pra lá e pra cá dentro da sua cabeça e descobrir que atrás de uma cômoda – olha só! – tinha uma boa idéia! Isso também está ligado ao fato de que “O mundo é um depósito de respostas para problemas que ainda não foram descobertos”.

Outro ponto aqui é que a frase serve como um antídoto para a busca de fórmulas milagrosas... elas não existem... criar é meter a mão na massa.

O que leva a outro assunto do curso: geração de alternativas. Algo que eu aprendi na prática com meu ex-diretor de criação... a melhor maneira de ter boas idéias é ter muitas idéias. Uma repórter perguntou ao Linus Pauling (aquele das aulas de química) como é que ele tinha idéias tão boas... ele respondeu algo tipo “Não tenho boas idéias, tenho muitas idéias”. Em outras palavras, qualidade vem de quantidade, de alta geração de alternativas...

Isso está totalmente ligado também a foco e dedicação. Alta geração de alternativas vem também de um envolvimento total com o problema. “Residir no problema”, diz o Charles Watson. Quanto mais você “reside no problema”, mais chances de gerar mais alternativas, de encontrar outras perguntas, de olhar de diversos ângulos. Cinco minutos de penso resolve anunciozinhos cotidianos, mas não as coisas mais legais da vida.

Tem mais... o resto vem ao longo do tempo, misturado em outros posts, sabesselá...