02 October 2006

Um convidado bem trapalhão

Um dia, você recebe uma indicação ao Video Music Brasil. O clip da sua banda concorre a um prêmio. Prêmio secundário, vale dizer. Categoria Rock Independente. Mas vá lá: é televisão! É MTV! É juventude, é glamour! Glamour à cabo. Ou glamour UHF. Sua vida muda.


"Oi, Mini. Você tira uma foto comigo? Depois eu te mando ela."


Muda sim. Pouco, mas muda. Basicamente, você é o único da sua família, dos seus colegas de trabalho, do seu âmbito pessoal, que está concorrendo a um prêmio de televisão – e que vai ser apresentado por uma boazuda que foi flagrada numa praia espanhola em pleno faranfo. Não vou ser hipócrita e blasé e fingir que não é legal. Tem um monte de alternativos que gostam de fingir que não é legal, que a MTV é uma corporação capitalista e bom mesmo é não ser indicado. Mas é mentira! É ótimo ser indicado. Jornalistas começam a ligar pra perguntar do clip. Jornalistas começam a perguntar até sobre a BANDA! Alguns inclusive se puxam e fazem boas perguntas. Eu dei entrevistas pro site da MTV, pra revista da MTV e até pra TELEVISÃO da MTV, tudo no espaço de algumas semanas. Pra bandas famosas, isso tudo é muito normal. Pra gente como nós, é o ápice da atenção que recebemos nos últimos 13 anos. E isso é muito bom pros negócios. Podemos usar isso agora pra vender shows: "Walverdes. Indicada ao VMB.". Não fazem isso com quem perde o Oscar? Tem até nos DVDs nas locadoras.

Um dos primeiros bons sinais foram as reações à nossa candidatura. Todo mundo sempre achou que nós merecíamos ganhar por causa do nosso tempo de banda, pelos "serviços prestados ao underground", pelo "nome e respeito" que a gente tem, porque o clip é realmente excelente (na minha opinião o melhor dos que estavam concorrendo). Mas a real é que nesse tipo de prêmio não ganha o melhor e sim o que mais se mobiliza ou que tem mais fãs. Eu pensei que iria ganhar o Feichecleres (basta ver o número de pessoas na comunidade do Orkut deles) ou então o respeitável Vanguart (pois alguém me comentou que Cuiabá estava se mobilizando em torno disso). O Ecos Falsos tem o aval do Tom Zé. O Banzé, que ganhou, ninguém esperava que ganhasse. Não que a música ou o clip fossem ruim, pelo contrário: é um pop rock grudento com um clip que tem uma boa idéia bem feita, uma idéia pop mas bem legal. Mas o futebol é uma caixinha de surpresas.

Logo que chegamos no Credicard Hall vieram nos comentar que havia fortes boatos da vitória do Vanguart e brochamos. Ficamos com cara de bunda. A cara de bunda durou um certo tempo e até tirou um pouco da graça da chegada. Cheguei a pensar "se era pra gente não ganhar, por que indicaram"? Isso é muito chato. Eu gostei de tudo: de ter sido convidado, ter concorrido, as entrevistas, os holofotes, o glamour, mas achei de última perder. Perder é chato. Seria muito mais legal se nos convidassem e a gente tivesse ganhado. Fica a dica: talvez nesses prêmios deva ter só um concorrente, aí as pessoas votam todas nele, ele ganha e vai na premiação. Seria tudo muito mais simples, não haveria o stress de ficar pedindo votos, fazer videozinhos, campanha. Pra que complicar a vida das pessoas? Essa é minha sugestão para o VMB: um concorrente por categoria no ano que vem. Vão gastar menos em convites, por exemplo.

Porque o convite é uma atração à parte pra quem não é famoso: você ganha uma bolsa da Adidas! E vem cheio de brindes dentro: duas camisetas (uma Sommer e a outra Colcci), um pós-barba e um Halls de uva! Sensacional. Você se embebeda na festa-boca-livre, veste uma camiseta, coloca a outra na cabeça, enche a cara de pós-barba e chupa um Halls pra disfarçar quando chega em casa bêbado depois da festa. Isso é que é marketing integrado!


"Seus inaptos, incompetentes, pobres! Nem pra ganhar o VMB! Vocês estão demitidos!"

Mas voltando à premiação. O tal do boato (que no fim era falso, era boato mesmo) ajudou a tirar o peso da expectativa e começamos a relaxar caçando famosos no saguão do Credicard Hall. Estávamos tomando uma cerveja (Skol latinha a 5 reais) quando o Marcos me chama a atenção: "Olha, a mulher da Vamp". Era a Patrícia "Alternativa & Saúde" Travassos acompanhada do Liminha, o homem que produziu o Cabeça Dinossauro: a colisão de duas referências adolescentes ao vivo. Outra hora, um bochicho ao redor. Era a Sandy acompanhada do irmão, do namorado e de alguns discretos seguranças. Começamos a brincar com o fato de tirar uma foto da banda com a Sandy, mas no final quem apareceu na foto foi só eu. Não sei bem porque, mas achei que de alguma forma essa foto poderia ser útil algum dia.

Passado o choque inicial do boato brochante e a caça discreta a celebridades, algumas cervejas e um cachorro quente (seco, só com salsicha e batata-palha, 4 reais), subimos para o Hall do Credicard propriamente dito. Uma boa surpresa da noite foi que nos colocaram na primeira fila, o que ainda não descobri se foi prêmio de consolação ou ironia. O fato é que ficamos bem na beirinha, entre uma passarela que separava os convidados do povão do sknake pit e do palco. Toda vez que alguém passava por ali pra receber um prêmio a gente aparecia meio segundo na televisão. Talvez se juntar todas as passagens e mais as vezes em que os apresentadores ficaram ali, acho que a gente apareceu tipo 50 segundos. Bem razoável pros negócios. Sabe quanto custa um comercial de 30 segundos na TV?

Achei bem melhor assistir a função toda ao vivo. Tá certo que em casa você pode trocar de canal quando estiver chato, mas ao vivo tem suas compensações, como ver a Cicarelli a 2 metros de você (sim, ela é tudo aquilo mesmo) ou curtir a movimentação dos produtores correndo de um lado para o outro com radinhos pendurados, xingando os assistentes. O timing dos apresentadores também é outra coisa ao vivo. Não acho os textos lá essas coisas, mas ali na chincha pelo menos a interação que acontece com o povo do snake pit deixa tudo um pouco mais vivo. O carisma do Cazé salvou vários momentos. Eu também sempre fui curioso também pra saber o que rolava no intervalo, mas o máximo de especial que acontece é a gente levantar e ir até o bar ou até o banheiro e descobrir que tem quase tanta gente lá do que na platéia. Ninguém tem muita paciência pra assistir um VMB do início ao fim sentadinho.

Outro lance que você só saca a real quando está lá é o palco, um puta trabalho de direção de arte. Aliás, não só no VMB: o trabalho de direção de arte, animação e design da emissora é o que me faz assistir o canal na maior parte das vezes, uma vez que musicalmente a coisa anda meio feia. Em termos de artes visuais, no entanto, tem um monte de trabalhos incríveis, lindos, interessantes.



Os pontos altos da noite para mim foram os humoristas profi: o Tom Cavalcante como o excelente Topete Justus e o pessoal do Pânico, que contornou com suas doenças um textinho bem sem graça. Na hora de ir embora, descobrimos o Tom no meio das cadeiras onde estávamos e não perdemos a oportunidade de tirar uma foto com o cara. Humoristas são tão importantes para o rock quanto bandas.

Depois de toda a função do prêmio é que vem o grande evento da noite, o que todos esperam, o motivo da luta pelos convites: a boca livre. No estacionamento do Credicard Hall são montadas enormes tendas sob as quais um bando semi-celebridades se acotovela em busca de bebida e comida totalmente NA FAIXA. Eram duas pistas e um lounge (hoje em dia todo evento tem lounge), além de uma área Vip sem muitos vips (pelo que fiquei sabendo no dia seguinte por freqüentadores da mesma que não sei o que tavam fazendo lá porque definitivamente não eram Vips). Fui embora cedo, mas a maior parte da galera se esbaldou até de manhã.

A real é que foi meu primeiro (e talvez único) VMB. Logo, tudo era interessante, tudo era novidade, eu achei tudo incrível. Aí está o lado bom de ser artista não muito conhecido: grandes eventos, viagens de avião e hotéis decentes surgem na sua vida de forma espaçada o suficiente pra sempre ter um gostinho especial. A vida no topo, creio, entedia fácil. Nos andares mais abaixo, por outro lado, sempre rola uma emoção.


Outras anotações:


- Uma coisa curiosa é a quantidade de gente que vem reclamar da linha pop da MTV. Na real eu acho que as pessoas com mais de 25 anos ficaram muito mal acostumadas com os primeiros anos da MTV no Brasil, quando a emissora tinha um ar diferente, levemente alternativo, dava a impressão de que havia um desejo de empurrar limites. Mas a real é que a MTV é uma emissora mainstream, uma grande marca global. Por mais que gerem conteúdo interessante de vez em quando ou que haja pessoas bem intencionadas lá dentro, a MTV é uma peça chave da indústria do entretenimento (ou o que pode-se chamar assim no Brasil). Em outras palavras: é ilusão e um pouco de falta de noção ficar cobrando da MTV espaço para coisas mais ousadas, alternativas, independentes. Pode até rolar, mas pra mim a MTV nasceu e é pra ser um lance POP, da indústria do POP, os nomes mais relevantes das PARADAS, o que está rolando de mais POPULAR em um certo segmento jovem. Para o diferente, o alternativo, etc e tal, existe a internet, outros veículos menores. Acho que muita gente não se dá conta disso.

- O VMB reflete isso. A forte presença do “emopop” (inventei o termo agora) é sintomática: o gênero hoje é sinônimo de juventude para a maior parte da cadeia econômica, como já foi a cena clubber logo antes. Isso não é um fenômeno brasileiro, mas mundial, em grande escala, o que também acontece devido à interligação da indústria do entretenimento brasileira com a americana. Ou, como eu ouvi de um jornalista: "a gente só tem revistas de rock vendendo agora porque o rock está estourado em escala mundial". Não adianta, vamos sempre depender desse tipo de contexto.

- O Caetano foi engraçado... gosto de ver o cara cantar, o cara canta muito. Mas é muito hilário o fato dele ter lançado um disco rock numa época rock e estar tocando com uma banda de guris.