09 April 2007

A vida é cheia de som e fúria. E daí?



O mundo tá mesmo cheio de escritores com uma visão dura da humanidade e a maior parte deles é formada por bêbados com metralhadoras giratórias. Mas os mais legais são como o Michel Houllebq: astutos engenheiros militares que projetam campos minados em suas páginas, o que é bem mais perigoso e pode ficar ainda pior se tu entra pela segunda vez no tal campo.

Malandro, tu acha que já detonou todos os projéteis. Mas a real é que tu começa a descobrir novos artefatos escondidos, que talvez não explodam de forma tão espetacular mas fazem estragos da mesma maneira.

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Bom, foi mais ou menos assim que eu me senti ao terminar de reler o Plataforma nesse fim de semana. Aproveitando as largas horas de ócio que as micro-tours dos Walverdes proporcionam na estrada, me lancei mais uma vez na história do funcionário do Ministério Público francês que leva uma vida absolutamente cinza e não tem nenhum problema com isso. De pensamentos mesquinhos e solitários (porém absolutamente honestos), o protagonista vai se vendo envolvido com um pequeno problema: ele é obrigado a sair da sua vida cinzenta e a construir uma existência feliz.

Não de forma viril e enérgica, pelo contrário, mas rastejando da imobilidade medíocre para uma sucessão de acontecimentos felizes, tudo acompanhado de uma vibe que não consigo decidir se é entusiasmo incréu ou algum tipo de resignação por clarividência... hmmm... é tudo muito ambíguo e isso tem a ver com a última frase do livro, que não vou revelar pra não estragar a surpresa pra quem quiser ler.

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Se o final de Plataforma é pouco inspirador (isso eu posso dizer), ao menos ele é (de novo) honesto ao extremo quanto à condição humana de viver num cotidiano sem grandes epifanias. A felicidade e a infelicidade que conduzem a história não são intensas em sua descrição, são cinzas como é a vida da maior parte das pessoas e da menor parte dos personagens de romances. E isso traz informações valiosas, porém deprimentes se ainda estamos dispostos (e geralmente estamos) a nos deixar iludir por textos tipo "Filtro Solar" ou qualquer outra manifestação cultural que tenta enfiar goela abaixo das pessoas a idéia de que temos que aproveitar cada dia como se fosse o último. Sim, cada dia pode ser o último mas não é dançando em cima de um prédio com os braços abertos e cara de feliz que você vai encarar bem esse assustador fato.



Enfim... saindo um pouco do plano psicológico, o livro também contém uma grande benção: ele é direto em assuntos políticos. Por exemplo, um dos temas de Plataforma é o turismo sexual em escala global e se o protagonista Michel (hehehe) é simplista e cruel ao apoiar a existência dessa atividade por conta de suas próprias necessidades, ao menos ele nos dá de bandeja as motivações mais básicas (tesão global confuso) que fundamentam o problema, algo que os noticiários e as reportagens de revistas semanais NUNCA fazem.

Em outras palavras, o discurso salvador & indignado que geralmente acompanha esse tema é necessário em certa medida pra fixar a repulsa no imaginário popular. Mas é muito pouco útil no combate direto à questão porque as pessoas que são tocadas pelo discurso clichê são as que geralmente não tem nada a ver com o assunto diretamente e que pouco podem fazer para ajudar.

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Uma outra coisa massa a respeito de Plataforma (e possivelmente sobra a obra do Michelin, não sei, além dele só li esse e estou pra ler ainda esse que tá lá em casa) é que o cara faz uma puta leitura panorâmica sobre current affairs terráqueos: islamismo, terrorismo, o já citado turismo sexual global, arte pós-moderna, sexualidade apagada no mundo ocidental, etc. Como o Idoru, o Plataforma é uma boa fonte de consulta para enxergar no meio da tempestade que se chama "tempo presente", essa coisa que a gente só consegue definir depois de passar, olhando pra trás. Olhares enviesados sempre ajudam e livros como esse são como espelhos que oferecem saltos no tempo: você abre e vê um reflexo na diagonal das ocorrências atuais, reflexo esse produzido por uma história escrita lá atrás, antes do 11 de setembro.

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O cara tem a manha, vai dizer hein?