21 January 2008

Cuidado com o bom senso


Eu não sei quanto a você, mas se tem uma coisa que eu sempre acho muito esquisito e ando ficando com um pé atrás - às vezes os dois - é quando alguém diz, no meio de uma discussão, aquela tradicional frase:

"Gente, gente... vamos usar o bom senso".

A maior parte das pessoas concorda com a cabeça...

"Lógico."
"Bom senso, né..."
"Isso aê..."
"Disse tudo."

... mas eu tenho certeza que se, pararmos pra pensar por um minuto, vamos começar a nos fazer perguntas bastante incômodas.

Por exemplo: o que é bom senso? Quem detém seu padrão? Por que autoridade ou por que instituição devemos nos guiar para determinar o grau de bomsensozice de uma ação? O bom senso é escrito anualmente e fica guardado em algum cofre da ONU? Ou está nos servidores do Google?

Aí é que está, essas perguntas não têm resposta e eu acho isso muito assustador. Porque a impressão que dá é que "bom senso" é um conjunto de regras que está por aí, no ar, solto, pra quem quiser usar e, o mais perigoso, manipular. A grande verdade - que ninguém quer discutir pra não afetar a já delicada estabilidade da geopolítica mundial - é que não existe esse tal de bom senso. Isso é uma fantasia. Eu não sei quem foi que inventou essa história, mas tenho quase certeza que ele é fruto da mesma mente que criou o gerundismo no atendimento ao consumidor.

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O bom senso também é uma espécie de acordo de cavalheiros para não expôr ou não trazer à tona determinadas discordâncias. Se todos concordamos em "usar o bom senso", não precisamos entrar em detalhadas negociações sociais com nossos próximos.

Tudo bem: em determinados âmbitos isso funciona. Invocar o bom senso tem uma tremenda utilidade em certos casos. O problema é a alta volatilidade do bom senso. Já houve um dia, e não faz muito tempo, que fumar uma marca de cigarro em detrimento de outra era considerado "questão de bom senso".



Outra boa forma de enxergar a questão é imaginar os terroristas ligados aos atentados de 11 de setembro planejando ação na sua caverninha no Afeganistão. Todo mundo lá, sentado com suas xícaras de chá e seus lança-foguetes, comendo pita-bread e batendo papo furado...

"Precisamos mostrar pro mundo a nossa força."
"Vamos detonar uma bomba atômica!!"
"Gente, gente... por favor... vamos usar o bom senso... quem sabe derrubar um ou dois prédios em Nova Iorque..."

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O bom senso atua intensamente no ramo da prostituição conceitual. E isso não vem de hoje. Não é porque "o mundo está perdido" ou porque "no meu tempo o bom senso era mais sensato". Já foi considerado de "bom senso" queimar cientistas, aceitar que o mundo é plano, ir para o sol sem protetor solar, não usar cinto de segurança e votar no PT. Como isso?

Muito simples, comissário: se o bom senso não se prostituir, ele não sobrevive.

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Quando alguém diz "gente, vamos usar o bom senso", geralmente está querendo dizer "gente, vamos usar o MEU bom senso". É uma forma sutil de muitos chefes não se comprometerem com as diretrizes de certas tarefas e poderem dar um escândalo depois.

"Eu disse pra você usar o bom senso e você me faz isso?"
"Eu juro que eu estava usando o bom senso..."
"Impossível... ninguém em sã-consciência faria isso..."

A pobre sã-consciência (????) é sempre invocada quando alguém não usa o bom senso. Mas isso deixaproutrahora...

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Fotos: Viagem Secreta