Conector de férias - leia o texto, desfrute dos arquivos e volte no dia 15
Você já experimentou aquela esquisita sensação de que a sua cabeça está parecendo um engarrafamento em São Paulo? Ou um HD com a memória absolutamente cheia, trancando os programas? Ou ainda, um jornal de domingo, obeso, com cadernos inúteis e folhas transbordando?
Não vou fingir que eu sou uma revista semanal e apelar pra números e pesquisas. É desnecessário ser cientista pra perceber que hoje se vende nos camelôs dez álbuns em um único CD-R, que assistir um filme em casa agora inclui junto making of e extras, que a quantidade de canais de televisão vem aumentando a cada ano, que com câmera digital você tira muito mais fotos do que costumava tirar e não vamos nem entrar na internet e no celular.
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Existem diversas saídas possíveis para a mente não se perder nessa nuvem de gafanhotos: você pode se tornar um autista cultural, meio chapadão, que fica fechado no seu mundo e não deixa muita coisa entrar; você pode virar um consumidor ávido, compulsivo e superficial; você pode passar a dormir apenas 2 horas por dia e tentar se aprofundar em tudo; você pode trocar o prazer da absorção de informação pelo da classificação (muito embora “keeping things clean doesn’t change anything, segundo Jeff Tweedy no último álbum do Wilco”); ou você pode deixar cair.
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Deixar cair foi um dos melhores conselhos que eu já recebi. Me lembrou um pouco uma história de anos atrás, contada pelo Lama Padma Samtem, onde ele dizia que levamos nossa vida como aqueles equilibristas de pratos, sempre tentando não deixar as coisas caírem, sempre adicionando mais e mais pratos girando. Não sei se o “deixar cair” que me falaram foi utilizado no contexto dos pratos. Mas me pareceu adequado conectar o conselho à história e me lembrar que, de fato, não é possível segurar dezenas de pratos girando para o resto da vida indefinidamente. A menos que seu objetivo de vida seja ficar equilibrando pratos. O que não me parece uma boa idéia, que me desculpem os equilibristas.
Há dois anos o conceito de “life hacking” vem ganhando popularidade entre pessoas que querem ser mais produtivas nas suas atividades diárias pra girar mais pratos em menos tempo e arrumar intervalos para não fazer nada. O termo vem do jornalista de tecnologia inglês Danny O’Brien, que pescou o conceito dos atalhos de rotina criados por programadores e recontextualizou a parada estabelecendo quase um estilo de vida para aqueles que buscam diligentemente formas mais inteligentes e eficientes de executar suas tarefas do dia-a-dia. Os defensores do “life hacking” destacam que a idéia não tem a ver apenas com produtividade profissional, mas principalmente com liberar a mente e abrir tempo no dia-a-dia para curtir mais a vida.
É um ponto interessante mas, ao mesmo tempo, fácil imaginar que muita gente acaba preenchendo muito da sua agenda com dicas, estudos, técnicas e práticas de... life hacking. Sei disso porque sou meio obcecado por organização e há algumas semanas comecei a pesquisar sites de life hacking em busca de uma ferramenta para organizar minhas atividades. Em poucos dias eu estava totalmente imerso nas técnicas, arrumando MAIS uma coisa para fazer: desenvolver um sistema, conhecer os recursos, as principais obras, etc, etc, etc. E chegou o momento de “deixar cair” a obsessão. Até porque eu meio que me assustei com os gurus de life hacking: se até água demais não faz bem, produtividade demais também deve ter lá seus efeitos colaterais.
“Deixar cair” não é pra qualquer um. Há pessoas com vidas mais equilibradas. Há atividades que precisam ser levadas a cabo e que não se pode “deixar cair” sob pena de atrapalhar a vida de outrém. Há os relapsos que deixam tudo cair e se tornam um estorvo. Na verdade, “Deixar cair”, parafraseando uma entrevista do Gilberto Dimenstein, é como as estrelas: você pode não até não alcançá-las, mas elas servem perfeitamente para navegação.
***Texto publicado no número 3 da revista +Soma.
Tudo de bom, até a volta!