28 February 2008

Juno



De começo, pensei em não escrever sobre o filme porque parecia que quase tudo tinha sido dito, especialmente as frases de efeito. A mais comum resume tudo: Juno foi o Pequena Miss Sunshine desse ano, a produção barata (para os padrões hollywoodianos) que conseguiu equilibrar consistência, coração e apelo pop; agrada a quem curte um cinema feito com mais cuidado mas também quem não tá nem aí pro que rola na tela - desde que divirta.

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Toda vez que surge um filme assim eu me pergunto que elementos são necessários pra que mais vezes isso ocorra, mas a verdade é que essas conjunções não têm como acontecer de forma mais freqüente. São muitas variáveis necessárias: um diretor que não confunda diversão com idiotice ou ironia com distribuição gratuita de ácido; um roteiro que apresente uma visão particular de questões universais mas que dialogue com um público amplo; referências estéticas que situem o filme no contexto pop atual mas que também ofereça snacks de novidades para os menos ligados.

Pequena Miss Sunshine teve tudo isso. Primeiro, a dupla de diretores/roteirista soube tratar de questões básicas familiares com um bom humor levemente ácido e muito coração. Segundo, foi capaz de cobrir tudo com pinceladas de ícones pop que apresentavam vários níveis de compreensão: um adolescente indie-quase-emo que lia filosofia, um pai de família ligado à indústria da auto-ajuda, um acadêmico de literatura suicida e um carro que mesmo meio fora de uso vem servindo de simbologia para campanhas publicitárias e marcas de roupa (a kombi).


Até o Melvins é citado em Juno

Juno vem embalado da mesma forma, só que já atualizado.

Por exemplo, a onda de música folk que tomou conta dos fãs indie de música no mundo nos últimos anos começa lentamente a colocar a cara no mainstream: ela está não só na trilha de Juno, como no Altas Horas da Globo com uma estrela pop mirim em formação, no comercial do MacAir e por aí vai.

A ironia, que nos anos 90 vinha como força destrutiva, em Juno também é quase que um personagem simpático, servindo de apoio à personagem principal. É através de uma fina e elaborada ironia que ela lida com seus cabeludos problemas e isso me soa como outro traço geracional. Segundo a própria Hellen Page (a Juno) muitos críticos não acreditavam que existem adolescentes assim, mas qualquer um que conviva um pouco mais com adolescentes sabe o que anos e anos de seriados americanos fizeram no DNA do mundo.

Um terceiro aspecto de contemporaneidade em Juno é o fato do filme assumir descaradamente o há horas engatilhado revival dos anos 90. Um dos principais parceiros da menina no filme é um trintão que teve banda, excursionou com o Melvins e que se envolve em discussões e reminiscências musicais invocando sua participação ativa na "era de ouro do grunge". A oitentização dos anos noventa é cada vez mais inevitável. Normal.

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Aparentemente, eu estou aqui falando de verniz. Mas acredito que hoje verniz também é essência, por fazer a ligação entre o conteúdo e o público. O verniz de Juno é fortemente calcado em cultura pop americana, mas isso não é problema para a maior parte dos brasileiros de classe média alta - o grande público de cinema hoje em dia. Todos fomos e somo submetidos ao bombardeio ianque (embora, aos poucos, isso vá mudando) e no dia que Juno chegar ao Temperatura Máxima, coisas como indie folk, ironia como estilo e noventismo já vão estar completamente absorvidas por todo mundo – como hoje os códigos do revival anos 80 está.

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Mas e a história? Se você não sabe, Juno é uma adolescente que fica grávida numa noite de sexo com um homo nerdus da escola – o ótimo Michael Cera do palha Superbad – e resolve oferecer o bebê para adoção para um casal que botou um anúncio no jornal. Ao contrário de filmes do passado, que dariam origem a um dramalhão sem fim, em Juno simplesmente não há dúvidas a respeito do que fazer com a criança. É tudo muito simples: se Juno não tem maturidade emocional para cuidar do bebê, que se ofereça o rebento ao tal casal. A cena em que Juno conta da gravidez para o pai e a madrasta é emblemática. Assim que a garota sai da sala, os adultos respiram aliviados, pensando que a notícia seria algo muito pior como “drogas ou expulsão da escola”. Ou seja, não há conflitos nesse sentido e eu, com meu sangue e apegos latinos, confesso que fiquei meio chocado com a naturalidade dessa resolução de simplesmente entregar o bebê. É seu filho! Seu neto! Arriba!

de menina má.com a mothern


Entenda-se: o filme é muito menos da relação de Juno com o bebê do que da relação de Juno com os futuros pais, dos futuros pais com o bebê, do futuro pai com Juno e de todo mundo com suas próprias limitações. Na verdade, Juno é o eixo de equilíbrio entre razão e sensibilidade no meio de adultos perdidos em feridas mais antigas. Meio esquisito, mas talvez seja eu ficando velho e começando a duvidar da capacidade de pessoas mais jovens...

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Curiosamente, Juno está em cartaz na mesma época em que propõe no Brasil um projeto de lei para o parto anônimo e evitar a repetição de cenas bizarras no Jornal Nacional, como aquela do bebê encontrado vivo dentro de um saco de lixo na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte. Com nossas raízes enlameadas de culpa católica, que impedem ações mais abertas como a atitude de Juno e sua família, talvez seja uma boa idéia regulamentar uma prática que já acontece e que vai preservar a vida de uma criança que talvez fosse parar em uma lagoa projetada pelo Oscar Niemeyer.

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Bom, na verdade eu falei mal de nossas raízes católicas, mas lembrei que um antigo subterfúgio parecido com o parto anônimo já foi praticado no país com apoio de conventos: desde a época do Império até bem pouco tempo atrás, era comum haver uma roda giratória de madeira que recebia filhos bastardos anonimamente na calada da noite.

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Resumo da história: como toda boa pepita pop, quem entrar em sintonia e deixar-se levar na viagem de Juno vai empreender um caminho surpreendente pra dentro de si mesmo.

Se você estiver a fim e for fisgado, boa viagem.