18 March 2008

Novos meios digitais burlam censura da China


Como a China não pensou nisso antes? Primeiro, as incontáveis capas de revistas e semanários de economia, que não páram de falar do crescimento do BRIC (Brasil, Rússia, India e China), bloco de países emergentes na economia mundial, sempre com ênfase na usina de crescimento econômico que se tornou a China. Depois, as Olimpíadas de Pequim. Terceiro, o fato das olimpíadas acontecerem no mesmo ano da "comemoração" de quase meio século do primeiro levante tibetano contra a ocupação chinesa no Tibete (já são 49 anos).

Está todo mundo de olho nos chineses e cada pequeno passo vai ser amplificado. Senão pela cobertura da grande imprensa (que, diga-se de passagem, está dando amplo destaque aos maus modos do governo chinês), ao menos pela internet. A exemplo do que aconteceu em Burma no ano passado, são os meios digitais que estão abrindo caminho para imagens censuradas pela e na China.

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Caso você não esteja acompanhando, desde a semana passada começaram a acontecer protestos em diversas partes do Tibete por causa da prisão de monges que teriam realizado uma passeata para comemorar os 49 anos do levante tibetano. O que se seguiu foi uma série de outras manifestações em diversas localidades do Tibete, rapidamente reprimidas com violência pelo exército chinês. A isso se seguiram medidas como o bloqueio do acesso de visitantes estrangeiros ao Tibete e o bloqueio de sites como YouTube, Guardian e CNN para acesso local. A China já não andava feliz com a atitude da Bjork e também anunciou medidas mais duras para trazer artistas ocidentais, o que deixou os produtores chineses de cara com a artista islandesa.

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Mais uma vez, o que está fazendo a informação circular são as inovações tecnológicas. Tibetanos estão conseguindo enviar mensagens para fora através do celular (as fotos desse post são dessa leva) e do microblogging, ferramentas ainda fora do escopo de atenção do governo chinês. O próprio porta-voz do Dalai Lama declarou, face as acusações da China de que o Dalai Lama teria planejado as ações: "Graças à tecnologia e ao boca-a-boca, a coisa se espalhou rapidamente. Foi tudo muito espontâneo."




Eu não tenho muito a manha de acompanhar o ciberativismo, então recomendo acompanhar o Tiago Dória, que vem postando alguma coisa a respeito.

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Se você não sabe qualé a do Tibet e da China, vou resumir: há séculos existe uma disputa política acerca do território tibetano. A China advoga que o Tibete é parte do seu território, no entanto a região historicamente sempre viveu de forma absolutamente autônoma, com língua, cultura e sistema político próprios. No fim da década de 40, após a Revolução Cultural, o exército da República Popular da China marchou sobre Lhasa (capital do Tibet) e tomou conta do país à força, após uma série de manobras diplomáticas tacanhas tentando o mesmo objetivo.

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O Guardian vem publicando notícias de ambos os lados. O site do Governo Tibetano no Exílio (após a invasão chinesa, o Dalai Lama institui-o em Dharamsala, na India) também é uma fonte confiável de notícias. Embora unilateral, eu considero muito a lucidez do Dalai Lama. Sua Santidade continua insistindo na política do "Caminho do Meio", sugerindo que manifestantes não usem métodos violentos e que não impeçam, tentem impedir ou protestem de forma a atrapalhar as Olimpíadas.



Não porque ele é "bonzinho", mas porque isso jogaria ainda mais areia no avanço das lentas e até hoje infrutíferas negociações do Governo do Tibete no Exílio com a China. E também porque a cultura tibetana está intimamente ligada ao budismo, cuja essência são valores humanos baseados na compaixão e na não-violência (um dos ídolos do Dalai Lama é Gandhi, cujo eixo de ação na libertação da India também era ahimsa). A última coisa admissível sob esse ponto de vista seria uma espécie de guerra santa tibetana e apesar dos violentos combates ocorridos nos primeiros anos de ocupação (uma sangueira provocada pela China, muito mais preparada militarmente que as modestas guerrilhas populares tibetanas), provavelmente só a ligação a esses ensinamentos de não-violência tenham conseguido impedir o Tibete de se transformar numa Palestina ou num Iraque.

Infelizmente, nem mesmo o Dalai Lama tem conseguido controlar o ímpeto de setores mais jovens e mais e revoltados da sociedade tibetana, cansados de viver sob o domínio da China, que vem gradativamente acabando com a cultura do Tibete e substituindo-a pela cultura chinesa. Alguns até mesmo consideram a política do Caminho do Meio ineficiente.

Se você sente alguma conexão com essa história e quer ajudar de alguma forma, assine a petição da Avaaz, um site de ciberativismo que costuma recolher "assinaturas" do mundo todo em quantidades gigantescas e enviá-las a autoridades. Estão tentando conseguir que 1 milhão de pessoas assine essa petição.

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Update: há um artigo bastante completo sobre a história toda no G1, traduzido do New York Times. Dica do Trasel.

Update 2: há um post interessante no blog do Pedro Dória também.