10 April 2008

Na Natureza Selvagem - o veredicto


Minha ida ao cinema na sexta passada teria grandes chances de dar em desastre: como você deve notar lendo meu post anterior sobre o assunto, "Na Natureza Selvagem" é um um livro sobre o qual eu já investi uma certa atenção. Quando fiquei sabendo do filme do Sean Penn, então, a área da minha mente responsável por construir antecipações começou a ficar ouriçada: como colocar todo o universo de premissas, suposições, imagens, devaneios, questionamentos, idas e vindas da mente numa tela de cinema?

Bom, o Sean Penn fez um lance bem legal: ele tramou, teceu sua visão da história com dois ou três fios condutores que se entrelaçam e, como uma corda, fortalecem o filme de um jeito que não evita totalmente uma leitura ingênua da tragédia, mas oferece degraus para uma descida mais profunda.

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Quando eu falo de dois ou três fios condutores, não são aquelas hoje já batidas "narrativas paralelas", muito embora Penn trabalhe com idas e vidas temporais absurdamente bem calibradas. No caso, são as formas de enxergar a odisséia de McCandless e há pelo menos duas bem indentificadas: uma é a do garoto idealista com a cabeça cheia de Henry David Thoreau e Tolstói, buscando a todo custo destilar confusas cachaças existenciais a fim de extrair uma essência que lhe dê tranqüilidade. A outra - menos evidente, mas bastante presente - é a da criança machucada por uma convivência familiar tumultuada e por uma referência masculina/paterna repleta de rachaduras.




O primeiro ponto de vista tem uma vida mais exuberante: dali deriva-se a veia lúdica do filme, calcada na exploração de lindíssimos espaços abertos e selvagens, bem como na fauna social que habita o acostamento da sociedade americana: comunidades hippies itinerantes, veteranos de guerra, agricultores, mochileiros escandinavos, moradores de rua, uma coleção de tipos que não é exclusiva dos Estados Unidos, mas que só lá (obviamente por causa da grana) floresce e se sustenta de forma tão viva e bem estruturada a ponto de funcionar tão naturalmente como ornamento de jornada espiritual. Descontando-se o fato de que é possível romantizar qualquer coisa, as paisagens naturais e as figuras pitorescas da América são os pontos de apoio para McCandless construir sua identidade e também os pilares que sustentam Na Natureza Selvagem em uma área mais colorida e menos sombria.

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Porque o segundo ponto de vista é bem menos glamouroso. E se mostra como um garoto intensamente imerso em rancor e disfarçando sua raiva com referências culturais pré-beats, passando verniz em suas feridas - um verniz que não cura diretamente, apenas as deixa mais brilhosas.

Embora esse viés esteja em desvantagem, competindo com toda a miríade de acontecimentos, personagens e paisagens interessantes, Penn abre um pouco de espaço para o lado birrento e as consequências não tão agradáveis da aventura de Chris. De tempos em tempos, a inebriante viagem (interna e externa) do rapaz é temperada com a compreensão triste da irmã e o desespero dos pais. A cena de Walt McCandless sentado no chão no meio da rua com as pernas abertas como uma criança é simples e devastadora. Funciona, para quem se ligar, como uma placa de desvio no meio da estrada e se você pegar essa via de chão batido por alguns quilômetros, ela vai lhe levar a um lugar um pouco diferente do prometido pelo lado mais lúdico e sonhador do filme.



No fim das contas, é um filme triste. Um rito de passagem que terminou mal. Quando McCandless encontra as respostas que procurava, estava tão isolado da civilização que morreu e não pode exercitar o que descobrira ser a felicidade: o compartilhar.

Pior, não estava nem tão isolado assim (informação negada ao espectador, mas disponível ao leitor do livro). Se estivesse munido de um simples mapa, que desprezara para poder viver uma experiência supostamente mais pura, teria provavelmente encontrado um caminho para contornar o rio descongelado que o impedia de voltar por onde viera.

Até mesmo o fim de Chris foi uma lição simbólica: a grande dificuldade dos ritos de passagem (seja em que idade aconteçam) talvez seja desprezar os generosos sinais que aparecem aqui e ali. Um passo em falso e vem o fim, grandioso porém sufocante: surgem as luzes da redenção não levada a cabo, mas as trombetas ficam para a próxima. No lugar de sons celestiais, um coração batendo angustiado e uma respiração pesada que vai minguando. As imagens da ficção dão lugar a uma foto do “verdadeiro” Chris. A tela é preenchida com um pedaço de ônibus corroído, janelas quebradas, o número 142 e um sorriso desafiador e confiante que simplesmente ficou para trás.