Leituras de Férias
No meio dos anos 70, o escritor Sam Kashner passou dois anos na Jack Kerouac School, unidade de formação de poetas da Naropa, a primeira universidade budista do mundo ocidental. O mestre espiritual da bagaça era o controverso & louco lama Chogyan Trungpa Rinpoche. Os principais professores, gente como Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso e Peter Orlovsky (o maridão do Ginsberg). Daí você já imagina o que sai.
Pelas resenhas que li, eu jurava que esse livro ia ser uma coisa tipo "a queda dos mitos".
Todas elas falavam que o relato desnudava a face menos conhecidas dos beats. Mas em vez da nudez manchar a aura que existe em torno desses caras, por um lado ela até reforça. Em grande parte, isso vem do carinho autêntico e bonito que Kashner tem pelos seus professores e pela época que passou lá. Mas não se engane, isso não significa de maneira alguma complacência com as esquisitices, as idiossincrasias, as birras e as demências dessa gente. Na verdade o autor é até bastante ácido em muitas passagens, mas essa dureza tem um viés muito mais humano do que propriamente aquela coisa tipo "vou mostrar pra vocês o outro lado da moeda".
Em outras palavras, o que torna o livro (e os beats) fascinantes é o que eles tem de igual à gente e não, conforme a sua obra às vezes faz parecer, com o que eles têm de diferente ou especial. Um bando de seres humanos, meio loucos, meio livres, mas seres humanos como qualquer um de nós, cheios dos problemas e das neuroses. Chega a ser reconfortante.
O carinho a que me refiro ali em cima não cai de maneira nenhuma na romantização ou na pieguice. Ele talvez não seja nem mesmo muito explícito, talvez muitas pessoas nem vejam desse jeito. Foi uma observação minha, foi o que eu encontrei ali.
De "Quando Eu Era o Tal", pulei de volta para terminar Os Vagabundos Iluminados. E depois de passear com tranquilidade pela prosa tocada do Sam Kashner, confesso que foi foda cair de novo no floreamento deslumbrado do Kerouac. A real é que eu nunca fui muito fã do jeito que ele escreve. Todos os livros dele são assim, essa miríade de adjetivos e frases longas todas meio cheia de calombos pra leitura. Talvez em inglês a coisa flua melhor, mas em português às vezes é foda. Acontece que é em muitos momentos o entusiasmo de Kerouac com a vida e com o conceito de liberdade beat é cativante, então vale a pena ir adiante. Mas não pretendo ler Kerouac tão cedo novamente. Pelo que me lembro, continuo achando o Junky o melhor desses livros todos aí, uma aula de concisão e eficiência.
Pra quem é budista, o Vagabundos Iluminados tem o gostinho extra de ver como é que era ter contato com o dharma numa época com pouquíssimos textos e mestres disponíveis. De vez em quando pensei na ingenuidade dos praticantes descritos nos livros, mas também pensei que devia ser muito mais difícil. Não é como hoje, em que você pega um ônibus e vai ali na esquina aprender com grandes mestres textos clássicos e intrincados que sozinho podem levar a interpretações heróicas ou rasteiras (como de vez em quando aparece no livro). A palavra "bodisatva", que designa um ser de alta realização espiritual que dedica cada segundo da sua vida ao fim do sofrimento de TODOS os seres, é usada sem muita parcimônia... "Ah, fulano é bodisatva... sicrano é bodisatva..." Pelo que eu sei, não é bem assim. Mas, enfim, é Kerouac, tudo é festa...
Das montanhas do norte dos Estados Unidos, vim direto para o calor úmido da Manaus do meio do século passado. Dois Irmãos já havia chamado minha atenção pela capa, depois teve a recomendação de uma amiga e por fim o resumo mexeu comigo: é uma história meio philliprothiana de uma pequena família amazonense que permanece instável entre a desagregação e a união precária. A base do desentendimento são as diferenças entre os tais Dois Irmãos, mas ali também tem os temperos dos sonhos falidos do pai, do apego excessivo da mãe, do filho bastardo da empregada e tudo mais. O pano de fundo (Manaus) é rico e bem contado. A mim mistura o exótico com o conhecido, pois tenho pai e tios amazonenses, mas fui só uma vez a Manaus quando criança. Então muitos dos sabores, aromas, peixes, texturas descritas são vagamente familiares a mim. Diferente do Kerouac, aqui também temos um texto que flui mesmo que não seja de jeito e maneira minimalista ou limpo. Pelo contrário, ele é habilmente ornado, de um jeito que não há sobressaltos ou bocejos. Um dos melhores livros que li nos últimos tempos.
O que aconteceria se um livro de auto-ajuda funcionasse mesmo? E as pessoas que o lessem ficassem REALMENTE felizes, satisfeitas com a vida? A premissa já é boa, mas o tal de Will Ferguson realmente se puxou e fez um puta livro engraçado, rápido de ler com suas 400 páginas, cheio de reviravoltas e cenas engraçadas. O clima às vezes lembra as confusões dos livros do Elmore Leonard e certamente tem o humor dos filmes baseados nos escritos de Leonard. Mas em vez da ambientação acontecer tipo nos subúrbios de Los Angeles, toda a história se passa no meio literário.
Um editor de uma puta editora milionária recebe um manuscrito de um livro de auto ajuda chamado "O que aprendi na montanha". Editado às pressas e de maneira tosca, o livro começa a vender absurdamente e as pessoas que o lêem começam a ficar felizes, ricas e tudo mais. A indústrai do tabaco, de bebidas alcóolicas, as academias, os livros de literatura, tudo começa a desaparecer porque as pessoas não precisam mais preencher seus buracos existenciais com nada disso, afinal elas estão felizes. Estão mesmo? E o cara que escreveru o livro, é um gênio ou um charlatão? Com um ritmo de comédia de erros, meio estilo Depois de Horas do Scorcese, as perguntas vão sendo respondidas em situações divertidas mas que também fazem pensar. Mas não muito também. Só o necessário.
Mais um daqueles livros-que-mandam-você-ler-no-colégio-mas-você-só-lê-décadas-depois-gosta-mas-pensa-ainda-bem-que-eu-não-li-naquela-época. Achei massa, linguagem bem mais direta e, bem, seca do que eu esperava encontrar. Curti mesmo. E me emocionei com a morta da Baleia.