10 March 2006

Mais um pouco de viagens

Alguém que assiste televisão no horário nobre todos os dias da semana é impactado de maneira considerável pelos mesmos comerciais durante um bom tempo. Voltemos ao exemplo do molho de tomate.

Vamos pegar uma nova marca de molho de tomate que comece a fazer comerciais dia sim/dia não durante dez dias na novela das oito. Digamos, ainda mais, que o comercial seja divertido, inteligente e que toque em algumas questões emocionais básicas, que diga respeito a nós.

Ao final daqueles dez dias, mesmo que você não saia correndo de casa para comprar o tal molho de tomate (e, de fato, a coisa não funciona assim), aquela marca desconhecida naturalmente se tornou um pouco mais conhecida para você (e, de fato, a coisa funciona assim). Tanto pela simpatia do comercial quanto pelo mero fato numérico da marca ter feito parte de 30 segundo, exatos 0,03% do seu dia, provavelmente mais tempo do que você dedicou a pensar sobre o sentido da vida.

Então da próxima vez que você for ao supermercado, aquele borrão vermelho ao lado da sua marca preferida deixa de ser um borrão vermelho e passa a ser uma outra marca, que contém uma certa simpatia, a qual você já viu em algum lugar. Mas que, para que você compre exige uma disposição para experimentar que pode vir tanto da sua insatisfação com a outra marca, quanto da sua simpatia pela nova marca, um desconto para a nova marca ou mesmo alguma vontade insondável tipo “sei lá, tou a fim de mudar hoje e pronto.”

Todos esses processos mentais são os que nós, publicitários, procuramos vencer e conquistar. Não é uma tarefa simples, como você pode ver, porque ela envolve uma quantidade imensa de fatores sobre os quais nós não temos o mínimo domínio. O máximo que nós podemos fazer é cercar você com o conteúdo simpático da nossa marca e torcer para que haja uma brecha no seu hábito para que você experimente essa marca. E mais:nós ainda dependemos da qualidade do produto, da eficiência da distribuição e do bom trabalho do varejista colocando à venda por um preço decente.

Pra não falar que, no horário nobre, disputamos espaço na sua cabeça com o conflito que está rolando na novela, a sua vontade de desaguar todo o stress do dia, algumas crianças gritando ao redor, etc, etc, etc.

E ainda tem gente que acha que é só colocar na TV e pronto.

Brincadeiras à parte e tendo dito tudo isso, também é preciso admitir: a televisão é um veículo poderoso para fazer as pessoas conhecerem e se tornarem familiares à marca. O processo que eu coloquei ali em cima a partir da veiculção de um comercial durante dez dias é uma simplificação grosseira de possibilidades muito maiores.

Nós todos, enquanto consumidores, estamos cada vez menos permeáveis a mensagens publicitárias. Não que tenhamos nos tornado mais espertos. Mas isso já faz parte da nossa vida, se tornou uma constante e tudo que é constante se camufla, se torna paisagem, não chama nossa atenção. Por isso têm crescido cada vez mais os esforços de comunicação integrados, partindo de um meio (freqüentemente a televisão) mas se espalhando por ações conjugadas como promoções em revistas, festivais de rock, mensagens virais de internet. Falei da TV porque o Brasil é um país atípico nesse sentido e nem preciso falar a respeito da Rede Globo e blablabá.

Onde isso vai parar? Até onde posso pensar, não vai parar. Não vejo em um futuro próximo uma espécie de implosão ou revolta contra a babilônia. Vejo sim um incremento na complexidade das mensagens publicitárias, mas tudo ainda muito construído ao redor da televisão – ao menos até que a geração que nasceu com internet banda larga no quarto seja a maioria, mas aí tem questões econômicas também né.

Cada vez mais vamos ver produtos culturais misturados com propostas comerciais e a partir daqui eu me perdi no raciocínio, câmbio e desligo.