Sky Zodiac Sky
Imagine um quebra-cabeças. Um quebra-cabeças muito incomum. Não porque você perdeu a caixa e não sabe onde vai chegar. Não porque as peças você recebe por correio com espaço de meses entre uma e outra. Não porque a paisagem seja o mapa para compreender uma série de assassinatos cometidos por um serial killer ao longo de duas décadas na California. Mas porque ele se torna, peça a peça, mês a mês, ano a ano, o que dá sentido à sua vida.
Agora imagine que David Fincher, o diretor de Seven e Clube da Luta, fez um filme sobre isso. Teremos então 90 minutos de um thriller dinâmico, cheio de referências pop contemporâneas e muito baseado em exercício de estilo visual? E que vai ser copiado na década seguinte em comerciais e filmes menores?
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Pior que não.
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Zodíaco é Todos os Homens do Presidente. É investigação minuciosa, lenta, por vezes infrutífera. É a construção passo a passo de uma paisagem que se transforma à medida em que é montada.
Não é um filme sobre um serial killer, mas sobre um serial searcher, alguém que não consegue deixar um quebra-cabeças pela metade. É a radiografia de uma obsessão por uma obsessão por uma obsessão. É o tédio da vida comum corroendo a lógica, fazendo alguém abandonar a vida doméstica em busca de encaixar peças. Eu sempre acho que no fundo isso é uma tentativa de combater o inevitável: que vamos morrer e as coisas vão se dissolver e bibibi-bobobó. É a mania masculina de jogar, de montar, de desmontar, de precisar de um sentido prático.
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Essa do serial searcher foi ruim, hein?
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Zodíaco é, talvez, o "filme maduro" do David Fincher, onde ele abandona (com exeções aqui e ali) os maneirismos que sedimentaram seu nome em total detrimento de uma história excelente. É psicológico e matemático sem deixar de ser absolutamente intenso. É um filme de duas horas e quarenta minutos que parece ter noventa sem, pra isso, usar nenhuma perseguição ou tiroteio. É um filme lindo, que recupera a crueza dos anos 70, tudo tão pré-tecnologia que se sobressaem a tríade blazer-camisaxadrez-costeleta, os carros enormes, as máquinas de escrever, tudo pouco cosmético, tudo muito é como é, tudo meio Sidney Lumet.
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Se o Seven era Nine Inch Nails e o Clube da Luta era Pixies, Zodíaco é um filme meio Neil Young. E um tanto quanto Wilco.
Sky Blue Sky tem a mesma pilha setentona de Zodíaco. Mas é um disco pós-obsessão. Depois da banda de Chicago montar, desmontar e remontar seu som e sua formação, o Wilco parece ter atingido uma espécie de platô de tranqüilidade. Lá em cima, na buena e bem acompanhado, Jeff Tweedy se deu ao luxo de misturar sua verve experimental/punk country (chega de falar em alt.country... opa, falei...) com guitarrinhas jazzy, baladas soft rock e alguma coisa espacial a la David Bowie.
A sequência de abertura é matadora. A gente parte de Either Way, conduzida na base do piano vs, dedilhado de guitarra, passa pela whitealbumniana You Are My Face, que começa country mas puxa prum soul arretado na metade, e chega na terceira e melhor faixa do disco (além de ser uma das melhores faixas do Wilco): Impossible Germany, tramada a partir de dedilhados hipnóticos e acordes de piano, tudo sobre uma batida leve e um baixo levemente country, levando a um clímax com 3 guitarras quase solando juntas... só ouvindo pra sacar...
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Depois de Impossible Germany, fica difícil segurar a onda. É uma música boa atrás da outra, mas com uma sequência de abertura dessas, parece que dá uma certa caída. Mas pode ser frescura minha também...
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O que une Zodiac e Sky Blue Sky? O fato de que é bem provável que o lado mais popular e menos hype dos anos 70 (o tal do soft rock, as redações de jornais low-tech, a lentidão das coisas) esteja servindo como um porto seguro conceitual na atual barafunda que se meteu a cultura pop atualmente.
Por favor, não tome essa frase como se eu estivesse tentando apontar o dedo pra pessoas nostálgicas que estão perdidas num clip do Justice ou num show do Arctic Monkeys. Estou falando de algo mais singelo e estou falando de mim mesmo. Estou falando do fato de eu ter 32 anos e ter sido tão atingido por essa parte da cultura americana que quando eu vejo um filme desses ou ouço um disco desses, parece que estou em casa.
É, estranho. Mas é isso aí.
Bom fim de semana.