08 August 2007

Conector Entrevista Jonathan Harris - parte 1


O da esquerda é o Harris. O da direita é o Kamvar. Os dois são os responsáveis pelo We Feel Fine, um dos projetos mais interessantes em termos de investigação humana da web. Entrevistei o Harris por email há alguns meses e o texto foi pra versão impressa da Mais Soma. Reproduzo-o aqui em forma de remix. Reorganizei a ordem do texto pra facilitar a leitura no blog (vc me conta se funciona ou não...) , mas sugiro que você dê um jeito de arrumar uma Mais Soma, vale conhecer a revista - que é gratuita.

Na conversa, Harris esclareceu a relação entre dados e estética, fala sobre o gap que existe entre mundo online e offline, cita suas inspirações e explica por que se define como um contador de histórias.


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Um prenúncio de tempestade toma conta da cidade no fim do dia. As nuvens estão carregadas e o lixo é jogado de um lado para outro pelo vento que também forma redemoinhos junto ao meio fio. Pó está sendo espirrado nos nossos olhos. Está um pouco mais difícil de enxergar, de respirar, de parar pra pensar. São seis da noite. De vez em quando, um folheto vem voando até as nossas mãos. Na maior parte do tempo, é publicidade barata. Mas num dia mais iluminado, podemos ter a sorte de nos tornarmos o destino do pedaço da vida de alguém na forma de uma folha de agenda rasgada, um naco de bilhete com uma mensagem de amor ou quem sabe uma receita médica de tarja preta. Um fragmento com essa qualidade que consegue abrir caminho no meio dessa bagunça tem a propriedade de nos conectar instantaneamente com uma outra vida, com as angústias, compromissos ou amores de um outro ser.

Na rua, isso acontece de forma inesperada e caótica. Na internet, o que era pra ser um acidente pode se tornar um ato deliberado de conexão humana se você digitar wefeelfine.org. Inicialmente, você será jogado em um ambiente tomado por palavras e imagens aparentemente desconexas. Mas à medida em que sua testa se franze, seus ombros se encolhem e seu corpo se debruça física e mentalmente sobre o conteúdo do site, você começa a enxergar pontinhos coloridos que dançam na tela e reagem ao seu mouse como pequenos organismos unicelulares que carregam vidas concentradas. Você clica e uma frase é destacada.




Conector: O que move você a fazer coisas como We Feel Fine e Ten byTen?

Harris: Há tempos que eu comecei a notar que a web, geralmente vista como um espaço frio e sem humanidade, na verdade reúne uma quantidade absurda de expressão humana. E fiquei interessado em revelar essa humanidade escondida. Desde então, a maior parte do meu trabalho envolve a análise de dados em larga escala para produzir insights a respeito do mundo humano e não do mundo dos dados.

Conector: Qual sua motivação por trás da busca de padrões humanos no meio do caos de informação?

Harris: O mundo está submerso em informação e isso pode ser sufocante. Recursos como padrões, listas e "zeitgeists" permitem que a gente gerencie um pouco melhor o caos. Além disso, padrões também podem oferecer insights a respeito de quem somos, o que nos preocupa, como nos sentimos, como nos comportamos, geralmente revelando aspectos nossos que ainda não percebemos. Isso leva a uma melhor compreensão de nós mesmo e do mundo.

Conector: Então você acha que "Human behaviour is pattern recognition", como disse William Gibson no romance Pattern Recognition?
Harris: Numa escala maior, sim. Mas numa escala menor, as pessoas são maravilhosamente surpreendentes.

Conector: Seu objetivo é tocar as pessoas ou apenas expressar seu ponto de vista?
Harris: Eu não tento forçar meu ponto de vista. O que faço é criar sistemas que têm limites, ainda que caóticos e abertos dentro desses limites. Dessa forma, cada pessoa que acessa meus sistemas os experimenta do seu próprio jeito.

Conector: O que você está tentando dizer com isso?
Harris: Em vez de apresentar conclusões sobre o mundo, eu estou mais interessado em produzir sistemas que levam as pessoas a desenhar suas próprias conclusões sobre o mundo.

Conector: Como você acha que isso toca as pessoas?
Harris: Eu acho que realidades tocam as pessoas. Então tento fazer com que meu trabalho reflita a realidade. Isso pode ser muito inspirador, porque a realidade é muito inspiradora.



Estamos compartilhando um pouco da visão de mundo de Jonathan Harris. Mas não foi Harris que escreveu a frase acima. Na verdade, junto com o Especialista em Personalização do Google Sep Kamvar, ele criou o site que pinçou esse momento particular. O projeto de Harris e Kamvar parte de um software que rastreia a internet de dez em dez minutos, buscando em blogs frases que contenham as expressões "I feel" ou "I am feeling". O pequeno espião poético aproveita a viagem e captura também (se houver disponível) alguma imagem e informações básicas do post como local, horário e sexo de quem escreveu. Pra terminar, ainda cruza essas informações com a previsão do tempo local.

Mesmo quando não encontra todos esses dados, We Feel Fine oferece interessantes recortes da realidade. Com uma frase prosaica e uma informação simples, se contróem pontes para momentos do dia de alguém que você nunca viu e nunca verá na vida. Mas que, curiosamente, podem lembrar muito de coisas dentro de você.

Conector: Você tem mania de procurar padrões no seu dia-a-dia? Como uma prática pessoal?
Harris: Sim, eu vejo padrões em tudo.

Conector: Por exemplo...
Harris: Quando eu caminho pela cidade, ou ando de metrô, ou estou sentado no parque, eu sempre fico observando as pessoas, procurando por similaridades nas roupas, nas conversas, na postura, no comportamento. Às vezes isso até me atrapalha porque em vez de aproveitar as situações eu fico analisando, procurando padrões e significados quando geralmente o melhor é simplesmente relaxar e viver a vida. Estou tentando mudar isso.

Conector: Marshall McLuhan diz que "O ambiente é invisível". A web é seu ambiente?
Harris: Não, não estou interessado na web desse jeito. Eu simplesmente uso a web porque atualmente é o melhor reflexo do mundo que eu posso encontrar.

Conector: Mas esse mapeamento que seu trabalho faz acaba sendo parcial porque muita gente não está conectada ainda, especialmente no terceiro mundo. Os mapas gerados pelo We Feel Fine deixam isso muito claro. Qual a sua preocupação quanto a isso? Você acha que o padrão dos blogs reflete o padrão do mundo offline?
Harris: Não. Eles representam o mundo dos blogs, que de fato não é uma representação exata do mundo offline. Mas, no momento, é a melhor representação da realidade global que existe. Eu acredito que o mundo se torne mais conectado ao longo dos próximos anos e, na medida que isso aconteça, acredito que o mundo online se aproxime mais da realidade offline.

(continua amanhã)