23 May 2008

Conector em Gotham - parte 2 de muitas



Um dos programas mais legais que fizemos em Nova Iorque foi pegar o metrô até o Brooklyn e procurar um restaurante chamado Habana Outpost. A primeira pequena atração do passeio foi meio que estar perdido logo que descemos do metrô e caminhar algumas quadras a esmo em um lugar bem diferente de Manhattan, berço de uma série de expressões multiculturais, tema de música do Beastie Boys, cenário de filmes do Spike Lee, ponto central de uma recente efervescência musical indie, especialmente na área de Williamsburgh.

Mas, enfim, o que interessa é que paramos numa esquina pra pedir informação a um policial e enquanto a Lucia fazia as perguntas eu me entretia em espiar o carro do officer, fascinado com o fato de que os caras tem um laptop dentro do carro. Minhas fantasias mais infantis foram ativadas e fiquei imaginando que eles devem usar o Google pra pegar ladrão. Por exemplo, eles recebem um chamado de assalto em uma rua e colocam: "Assalto na esquintal tal com tal" no Google Images e vem uma foto do cara. A partir da foto pegam o nome, buscam na agenda do Google o próximo compromisso do cara ("Levar gato pra tomar banho na pet shop do Silveira"), colocam "Pet Shop do Silveira" no Google Maps e vão lá prender o cara. Polícia de primeiro mundo é outra coisa.

(Epa, agora lembrei de uma: quando estava lá, li num jornal gratuito a notícia de um bombeiro que havia sido pego roubando um banco tinha um perfil no MySpace com comentários e piadinhas detonando a polícia e os bombeiros de nova iorque... e isso é especialmente grave porque os bombeiros parecem ser meio heróis por lá... agora os cadetes tem suas vidas online devidamente vasculhadas por olheiros digitais da polícia...)

Bom, o guardinha nos deu a indicação e caminhamos meia dúzia de quarteirões naquele bairro com mais cara de bairro do que de cenário de filme (muito embora tudo lá pareça um cenário de filme, depende do filme...) até chegar no Habana Outpost.

E por que diabos fomos atrás desse lugar? Porque um mês antes eu havia vasculhado um site de shows e passado um pente fino em quem estaria tocando na cidade naquela semana. No meio de incontáveis bandas de folk indie, encontrei uma deliciosa novidade (novidade pra mim, ao menos): The Hungry March Band.




Mais do que uma banda, é praticamente uma comunidade multicultural, um squat ambulante cuja população pode variar de 5 a 50 artistas entre músicos e performers. A parada dos caras é aquela coisa de parada: uma espécie mutante de fanfarra, com o som baseado em bumbos, taróis e metais tocando uma música de banda marcial, jazz, funk, música cigana, essas coisas. Com a cabeça cansada de tudo que eu andei ouvindo até hoje, foi um convite para mergulhar em uma coisa nova e divertida.





A cereja do bolo é que o show não só era gratuito como fazia parte de uma "block party", uma festa daquele quarteirão específico celebrada no simpático pátio do Habana Outpost. Como a festa, o restaurante foi uma atração à parte. Com uma decoração colorida e elaborada de forma a parecer não elaborada, o Habana Outpost mistura comida cubana/mexicana com experiências ecológicas.





Pelo lugar vimos coisas como coletores de água da chuva para a descarga do chuveiro, uma bicicleta para fazer smoothies e evitar o uso de energia elétrica, lixo separado por tipo para a reciclagem, tudo indicado de forma lúdica na decoração, sem muito daquele ranço ambiental clássico. No site, eles chamam isso de "ecoaeatery".





Uma banda de música cubana, três margueritas, um prato de nachos e alguns milhos assados com queijo e pimenta depois da nossa chegada, a Hungry March Band apareceu no pátio. Todos vestidos a caráter, com aquela pompa de banda marcial, mas um detalhe: a única uniformização eram as cores vermelho e preto. Fora isso, cada um com seu próprio conceito de pompa e circunstância, misturando tênis, casacos de almirante completamente detonados, quepes aleatórios, saias caóticas e inclusive uma fantasia de gorila.



Foi uma função: todo mundo teve que sair do pátio porque a banda começava a tocar na rua. Levantamos, fomos lá pra fora e acompanhamos a Hungry March Band entrar de volta no pátio. Fez todo o sentido do mundo, porque banda marcial que se preze não pode entrar no palco e tocar, precisa entrar marchando!



À frente da trupe de metais e percussão vinham duas animadoras. Uma delas segurava e girava um bastão de um jeito que me fez pensar no conceito de "punk baliza", um tipo de versão Ramones das coreografias abre-alas. Ela estava mais interessada em fazer grau e provocar a platéia do que propriamente acertar os movimentos, o que deixava tudo mais interessante. Ao lado, seguindo de perto, vinha a segunda "baliza", vestindo uma fantasia podre de gorila, assustando as crianças e temperando a cena com breakdance tosca, espasmos primatas e alguns golpes de karatê.

Ao fundo, a banda seguia tocando impávida. Foi um dos shows mais legais que eu vi nos últimos anos e juro que as margueritas não tem nada a ver com isso. A verdade é que um bom naipe de metais, um bumbo e um tarol bem ajuntados têm total condição de dar conta de um bando de neurônios que não eram chacoalhados decentemente há algum tempo.